Educação Clássica e Charlotte Mason – Parte 6:

Conclusão e Apêndices

Nesta sexta postagem iremos concluir o nosso breve exame das bases filosóficas e bíblicas do modelo de educação proposto pela educadora cristã Charlotte Mason em comparação ao modelo Clássico, fazendo algumas advertências e deixando mensagens que considero essenciais que guardemos caso tudo o mais seja esquecido. Em seguida oferecemos valiosos apêndices com tabelas de comparação entre a filosofia e o currículo de Charlote Mason, o Clássico e o Cristão, além de incluirmos uma resenha inédita da excelente tradução feita por Ariele Pedrosa do Livro de Charlotte Mason “Educação no Lar”, um clássico educacional que já temos disponível em nossa língua e um excelente ponto de partida para os leitores que desejarem conhecer melhor a contribuição de Mason.

LIÇÕES:

1) Gostaria de alertar os leitores para perigo dos ídolos educacionais, de elevar e seguir um método educacional de formulação humana, seja ele o clássico, ou o Charlotte Mason ou qualquer outro. Há coisas boas no clássico, mas há perigo no classicismo, tanto quanto no “charlotismo”. Sabemos que as heresias tomam um pouco da verdade e constróem uma filosofia sobre elas. A natureza é criação de Deus mas o naturalismo é uma filosofia perigosa e anti-cristã. O mesmo acontece, por exemplo, com o romanticismo ou com o cientificismo, quando se busca explicar tudo com base na natureza ou na ciência. Assim também é errado ver e explicar tudo na educação com base na autoridade da educação clássica ou de Charlotte Mason, e não da Palavra de Deus, que é a nossa única regra de fé e de prática. Mas é triste quando vemos, entre educadores cristãos sinceros, divisões, desprezo, acusações, orgulho intelectual, por causa de diferenças no modelo educacional que seguem e tentam impor aos demais. A liberdade educacional das famílias é o ponto mais forte do Homeschooling. No momento em que impormos o currículo clássico ou Charlotte Mason ou qualquer outro, o homeschooling perde essa liberdade, a sua própria vida, e ele vai começar a decair… vai ficar formal, vai ser atacado e substituído por algo muito pior do que as nossas diferenças: a igualdade ignorante e medíocre.

2)Também deixo uma mensagem final sobre a necessidade de auto-aprendizado do educador. Visto que não existe um currículo cristão ou clássico perfeito, nem uma escola perfeita, muito menos que seja adaptado aos seus filhos, o educador cristão não pode se encantar com um currículo pronto ou adotar algum material didático, ou listas de livros que outros elaboraram, de maneira impensada e preguiçosa. Precisamos ler sobre teologia, sobre os fundamentos filosóficos e correntes educacionais existentes por trás dos currículos que se nos oferecem. Nisso os educadores cristãos são unânimes. Ouçam Charlotte Mason: “Mas Ai para os anseios de uma natureza humana preguiçosa. Nós não podemos ter um Papa educacional. Nós precisamos pensar por nós mesmos e aplicar aquelas coisas que pertencem à perfeita criação de nossos filhos. (Educação no Lar, p. 185). E com isso concordam os autores do livreto “Educação Clássica e Domiciliar”, da Editora Monergismo, com este chamado seriíssimo:

“E declaro com ênfase, mais uma vez, que a leitura do professor é mais importante que a do estudante. Se o professor ler como deve, a leitura do estudante acontecerá com naturalidade. Todavia, se o professor estiver apenas em busca de uma “lista de livros” para o estudante ler, então não se objetiva a educação clássica e cristã. À medida que a sua educação e a de seus fihos continua e progride, você sempre precisará de mais livros. (…) Participar da Grande Conversação nos colocará de frente a muita coisa que você deverá rejeitar. Conversamos para defender a nossa fé.

3) Como parte desse auto-aprendizado, o educador cristão precisa ler e dialogar com pensadores cristãos e seculares, de correntes variadas, na busca tanto de uma filosofia cristã norteadora como de um currículo específico. E nisso Charlotte Mason nos deu um exemplo real. Mas isso deve ser feito sempre com muito cuidado para não absorvermos os erros de nossos tempos, o que também aconteceu com Mason. Será, contudo, que a solução teria sido Mason não ter lido os pensadores da sua época, e as supostas descobertas científicas e psicológicas que ofereciam, e ter simplesmente buscado perpetuar a educação clássica do seu tempo? Talvez essa seria a resposta de cristãos fundamentalistas, mas nunca foi a dos teólogos reformados. “Podemos fazer uso de qualquer autor humano”, desde que estejamos firmados na verdade. O problema de Mason não foi ter lido Darwin e Rousseau. O seu problema foi teológico, foi com a falha doutrinária na igreja anglicana que não havia sido reformada por completo, especialmente no que se refere à sua visão de homem, que não era visto como intelectualmente afetado pela queda. Acima de tudo, portanto, busquemos conhecer a verdade e nos firmar em uma doutrina que é profundamente bíblica em todos os pontos, e não precisaremos temer ler autor algum, mas estaremos preparados para corrigi-los e dar razão da nossa fé e das nossas práticas educacionais.

4) As falhas teológicas de Charlotte Mason nos mostram a necessidade que temos de continuar buscando uma filosofia educacional cristã, com princípio, meio e fim bíblicos, com fundamentos, métodos e propósitos cristãos e currículos coerentes com nossos princípios e objetivos. Como diria o teólogo reformado Cornelius Van Til, no livro Essays on Christian Education: Se a teologia cristã pura e reformada faz a diferença e é necessária, há também a necessidade de uma pedagogia reformada. Muitos pais e educadores tendem a ignorar a parte teórica dos seus estudos, mas não podemos subestimar a importância e a necessidade de uma filosofia distintamente cristã ou reformada de vida, algo à semelhança do que Charlotte Mason buscou desenvolver em seus seis enormes volumes, mas com todas as verdades reformadas que amamos bem encaixadas e equilibradas. Aprendemos com as próprias faltas de Mason como as pressuposições religiosas são importantes para todo pensamento, atividade ou elaboração humana, e como até um ponto errado influencia toda uma filosofia e prática educacional. Daí a necessidade de formularmos uma pedagogia distintamente reformada. E o que distingue a fé reformada? Tudo deve começar com nossa visão de Deus Soberano. Só Deus é absoluto e pode revelar a verdade e dar sentido a tudo o mais. O homem precisa ser visto à luz da criação-queda-redençao, não é neutro nem salvador próprio. A filosofia, como a ciência, deve buscar na teologia seus princípios básicos e norteadores, absolutos. Todas as áreas da teologia e conhecimento estão interligadas. A idéia de que todos os fatos revelam a Deus e de que só os crentes podem conhecê-los verdadeiramente torna imprescindível a educação cristã no contexto de antítese com a educação secular. Somente a teologia reformada é consistente e verdadeira o suficiente para oferecer os princípios de uma filosofia educacional unificada, consistente e que de fato está comprometida com a glória de Deus, com o senhorio de Cristo, e com a salvação da cultura humana pela submissão de todo pensamento à obediência de Cristo.

5) Na proporção em que o educador tiver essa filosofia cristã formulada e bem firmada em sua mente, ele terá maior confiança e liberdade em suas escolhas curriculares. Suas perguntas vão deixar de ser: “Isso é clássico/ cristão?”, etc. Mas será: por que isso é clássico, cristão, etc. Assim como o verdadeiro nutricionista não pergunta: Posso comer isso? E sim: Por que isso é saudável, e em que proporção, e para que pessoa, e com qual objetivo? O verdadeiro nutricionista sabe que a boa alimentação precisa conter os macro e micro nutrientes necessários, mas a proporção, a mistura de sabores, os ingredientes escolhidos serão os mais diversos, e sua liberdade nessa escolha depende da profundidade do seu conhecimento dos fundamentos da nutrição. Da mesma forma, para oferecermos boas porções educacionais a nossas crianças, precisamos ter clareza dos Princípios Cristãos e temos que buscar construir uma educação verdadeiramente cristã, a qual: a) tem fundamentos bíblicos inegociáveis teológicos e cristocêntricos; b) tem colunas, pelo menos quatro; c) tem paredes, quartos e divisões curriculares essenciais. A planta, porém, e o estilo da construção é variável: dependerá de cada educador e aluno, de seu conhecimento, vocacão, constituição, temperamento, capacidades, habilidades, alvos, pontos fortes e fracos, do estilo de aprendizagem de cada criança, da nossa própria formação, dos nossos recursos, e ainda vai variar de assunto para assunto. Alguns assuntos aprenderemos mais fazendo, outros pensando, outros por hábitos, etc. E dependerá ainda da tendência de nossos tempos, que parece no momento ser o oposto do momento de Charlotte Mason e daí os pais sentirem que precisam de algo mais acadêmico e focado como a educação clássica. E dependerá ainda de cada momento específico das famílias e escolas. As ênfases de Mason, por exemplo, se prestam mais para crianças menores enquanto as clássicas para a formação dos mais velhos, e assim por diante.

6) A variedade de métodos e currículos cristãos é boa e é uma questão de estilo, assim como nas roupas, na alimentação ou na arquitetura, que precisam ser, respectivamente, decente, saudável, e sólida; mas há uma beleza exatamente na variedade e personalidade e, principalmente, na liberdade de escolher entre comprar pronto ou costurar, entre comer quiche ou ovo frito, entre usar decoração rústica ou moderna, ou de escolher entre aprender sobre as abelhas com um material didático, uma palestra, um belo livro vivo ou observando uma colmeia. Há um dizer sábio entre os homeschoolers de que não é a família que escolhe o método; mas o método que escolhe a família (pois há famílias por natureza mais acadêmicas, relacionais, artistas e músicas, organizadas e sistemáticas, naturalistas, etc. e essa variedade é boa e dada por Deus, que dá vocações e chamados diferentes às pessoas e às famílias). Antes de entrarmos, portanto, em argumentos curriculares dessa natureza, lembremo-nos disso: do ponto de vista cristão, a escolha entre educação clássica, tradicional, Charlotte Mason e outros métodos é, no fundo, uma questão de estilo pessoal a ser respeitado e até apreciado, ainda que seja diferente do nosso.

APÊNDICE 1- COMPARAÇÃO DE FILOSOFIAS EDUCACIONAIS

EDUCAÇÃO CLÁSSICACHARLOTTE MASONEDUCAÇÃO CRISTÃ
Definição:  Modelo educacional desenvolvido pelos gregos antigos para o desenvolvimento da razão humana, por meio das artes liberais. Definição:Proposta filosófica e prática de Charlotte Mason, que busca desenvolver a criança como pessoa integral, considerando sua capacidade e necessidade de relacionamento com Deus, com as melhores idéias produzidas pela humanidade, e com o Universo por meio de um currículo liberal amplo e métodos atrativos e vivos.Definição: Educação é relacionar e submeter o homem e o mundo criado à verdade de Deus revelada na Bíblia. “Educar cristãmente é implicação na interpretação Divina” (Van Til). É colocar o aluno face a face com o seu criador pela sua exposição à verdade (salvífica, moral, natural, etc.) como provinda de Deus. 
Conteúdo:  Alfabetização fônica, gramática, lógica, retórica, matemática, música, astronomia, e geometria, obras dos grandes poetas e oradores clássicos. Conteúdo:O que a criança se interessar sobre: História e Literatura, Moralidade e Cidadania por meio de livros vivos, escritos por autores excelentes; alfabetização global, redação, gramática e matemática aplicadas, ciências e geografia pelo estudo experimental da natureza, apreciação de boa arte e música, desenvolvimento físico, atividades manuais úteis.Conteúdo:A verdade de Deus, em sua variedade e integração no Ensino Bíblico. Tudo o que é verdadeiro, santo, sábio e útil (as verdades de Deus), em termos de conhecimentos e habilidades, abrindo à criança o leque do conhecimento e dando a ela as ferramentas para estudar a verdade por si própria, dentro do esquema e da autoridade Bíblica, e para transmiti-la a outras gerações.  
Base:  Fé na razão e leis humanas- insuficientes para encaixar e sustentar o conhecimento;  O homem é a medida de todas as coisas. Base: Bíblia como autoridade maior, auxiliada pela Natureza (ciência) e melhores exemplos e idéias virtuosas, para formar a melhor pessoa que ela pode ser.Base ou Padrão: Leis e ensinos bíblicos como a autoridade maior em termos de filosofia e prática. (começa com Deus). O mandamento de Deus para educar, a necessidade do conhecimento de Deus, (primeiramente salvífico) na Bíblia e complementado pelo estudo da criação, a recuperação da imagem de Cristo pelo confiar, pensar e viver segundo a interpretação bíblica e a cosmovisão cristã. 
Método: Desenvolvimento dos poderes da mente (memorização, repetição, compreensão, lógica, etc.), A educação da alma, da vontade e da moralidade se dá de modo indireto, a partir da análise de obras clássicas.Método: Desenvolver a mente, vontade, sentimentos e alma por meio dos melhores livros e experiências que estimulem um relacionamento com o objeto do conhecimentoMétodo: Variados e apropriados, apelam à totalidade da pessoa humana, mas submetidos aos critérios da Palavra de Deus. métodos verdadeiros, individualizados, apropriados, sadios e compatíveis à idade e realidade do aluno, (Jesus usou discurso, argumentação, lições com base em objetos, ilustrações concretas, parábolas, exemplo de caráter), purificados para uso nosso e encaixados no esquema cristão.
Propósito pessoal:Foco no exterior: produzir maneiras refinadas, beleza de mente e de corpo, fugir de trabalhos manuais. Culto da retórica, imitar grandes poetas, produzir comportamento adequado Propósito pessoal: Desenvolvimento da pessoa completa, produzir pessoas que amam o conhecimento e sabem governar sua vontade e sentimentos por bons hábitos e bons exemplos. O foco individual tem o propósito social de progresso moral da raça humana, de “deixar crianças melhores para o nosso planeta”.Propósito (pessoal):Foco no interior: desenvolvimento pessoal integral; conhecimento para crescimento individual,  maturidade e sabedoria; formação pessoal integral, do homem perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra; desenvolvimento de dons para o serviço ao próximo (fim social é subordinado ao individual) e ensino das verdades as gerações futuras.  
Propósito final: A glória do homem; levar a razão humana à autoridade maior, servir os interesses do estado ou da sociedade; Culto da Retórica. Propósito final: Desenvolver a pessoa em seus relacionamentos mais importantes e auxiliá-la para que cumpra seus deveres.Propósito final: Glorificar e gozar a Deus – conhecimento de Deus, e serviço a Ele.  A promoção do reino de Deus e da Sua glória nesse mundo através do serviço de cada pessoa em sua vocação. 
Resultados: Florescimento intelectual, decadência moral, desânimo cultural: dualismo e variedade filosófica, perguntas sem respostas. Resultados:Crianças que gostam de aprender, bem treinadas e com bons hábitos externos, que sabem aplicar o conhecimento, e desejam contribuir para um mundo melhor. Se mal aplicado, pode gerar pessoas “liberais” (no sentido da teologia liberal e do esquerdismo político), que vivem para o prazer próprio e não sabem lidar com a “dureza” e dificuldades da vida.Resultado:Cristãos maduros, piedosos, integrais, e comprometidos com o avanço da verdade e do Evangelho. 

APÊNDICE 2: COMPARAÇÃO DE CURRÍCULOS EDUCACIONAIS

CurrículoATUALEducação Clássica Cristã HojeCharlotte Mason
HISTÓRIASumários em livros-texto; ideológica.Primeiro histórias avulsasDepois estrutura cronológicaDepois livros originais- LT, sumário.Conhecer pessoas, biografias, acontecimentos empolgantes, ouvir bons livros com detalhes- narrar
BÏBLIAHistórias recontadas- lições moraisHistórias primeiro, depois catecismo e depois o estudo aprofundado das DoutrinasLer e narrar Bíblia- Não pregar.
LÍNGUASLer e interpretar-mínimo de gramáticaGramática Intensa e muita LeituraMuita leitura e depois Gramática.
ARTEApreciar tudo.Conhecer um padrão, apreciar e reproduzir o bom, o belo e o verdadeiroApreciar o bom, o belo e o verdadeiro
LITERATURAO mínimo que promova a agenda socialBíblia e obras clássicas cristãs e secularesBíblia e livros vivos seculares. O melhor na língua materna ou moderna- Integrada com História.
GRAMÁTICAMínimo possível-ocasional, nao-sistemáticoGramática pura e sistemática de várias línguas clássicas.Gramática materna e Língua Estrangeira moderna- aplicadas aos textos.
REDAÇÃOConcordar com o politicamente correto.Aprender a elaborar boas pesquisas e apresentar com estrutura e raciocínio lógico e estilo atraente e persuasivoComeça com treino em ouvir textos exemplares e narração; a criança aprende a expressar o que aprendeu por pensamento e palavras próprias. Desenvolvimento natural e individual. Tarefas aplicadas e com propósito: caderno de anotações, cartas, etc.
MATEMÁTICATeórico e fragmentadoSistemático e RepetitivoInteressante e Aplicado à Vida.

APÊNDICE 3: RESENHA DO LIVRO “EDUCAÇÃO NO LAR”, DE CHARLOTTE MASON, TRADUÇÃO DE ARIELLE PEDROSA DE EÇA

É com muito prazer que fui convidada a revisar e que venho recomendar essa tradução do clássico educacional da Srta. Charlote Mason para a nossa língua. Na obra “Educação no Lar”, a autora realiza duas obras magnânimas: vem chamar e ajudar os pais a valorizar e assumir sua responsabilidade pela educação de suas crianças, vendo-as como pessoas que são, feitas à imagem de Deus, e respeitando suas potencialidades dadas for Deus. E com a mesma maestria ela nos oferece algo inédito: uma filosofia educacional consistente com a sua visão de mundo – que é de base cristã – aplicada de maneira profundamente prática – com inúmeras orientações pertinentes e sábias sobre o ambiente de ensino, sobre métodos apropriados e hábitos necessários, além de uma sugestão de um currículo amplo e completo para crianças de até nove anos de idade. Um manual indispensável para pais, professores e todos aqueles que amam as crianças.

A visão da srta. Mason – como ela mesma nos conta- veio de sua extensiva experiência de ensino, em que ela pôde perceber as falhas e carências na educação de seu tempo e buscou solucioná-las e testar as soluções propostas em uma rede de escolas fundadas por ela na Inglaterra no final do século 19, as famosas escolas PNEU (Parents National Education Union), e em um centro de formação de professores, a Casa de Educação em Ambleside. Mas, apesar de ter desenvolvido seu trabalho em escolas e na formação de professores, ela entende que a escola tem suas limitações e ela vê o lar como o ambiente educacional básico, entendendo que os pais (no caso deste livro ela se dirige especialmente às mães) têm privilégios especiais, além de um instinto ou habilidade natural e dada por Deus de conhecer seus filhos pequenos melhor do que qualquer outra pessoa. Nesse sentido, essa educadora experiente elaborou uma série de palestras dirigidas especialmente aos pais, que são chamados a assumir, no sentido de tomar as rédeas e fiscalizar de perto a educação dos seus filhos, e, ainda que esta seja dividida com professores ou tutores, os pais devem ser, no mínimo, bons supervisores pedagógicos da educação de seus filhos.

 Mas para que façam isso, a Srta. Mason vê a necessidade de familiarizar os pais com os princípios básicos de uma pedagogia cristã, e é aqui que ela, com muita humildade diante da grandiosidade da tarefa, oferece sua segunda grande contribuição para a educação cristã: pois ela fez algo inédito e dificílimo ao buscar oferecer uma filosofia educacional completa e consistente com a sua visão cristã do homem e do mundo. 

A filosofia de Mason tem algumas ênfases peculiares, que ela expressa por meio de alguns princípios, a saber: 1) que a educação é a ciência das relações; 2) que a criança é uma pessoa; 3) que a educação é uma atmosfera; 4) que a educação é uma disciplina; e 5) que a educação é uma vida. 

Ao dizer que a educação é a ciência das relações, ela diz que a criança tem relacionamentos naturais com muitas coisas e pensamentos ou ideias. E por isso a função da educação é colocar a criança em contato com Deus, com a raça humana, e com a natureza: por meio do estudo da história, da literatura, da moral e da cidadania, das línguas e arte, da escrita e redação, da Bíblia, das ciências, da música, do universo e planetas, da matemática, da geografia, selecionando assuntos úteis, interessantes e aplicados à vida da criança. Outro princípio essencial da sua filosofia é o de que as crianças são pessoas desde que nascem e devem ser tratadas como tal, valorizando as suas possibilidades como pessoas humanas e levando em conta as necessidades características da vida infantil.

Como esse livro focaliza nos 9 ou 10 primeiros anos da criança, Charlotte Mason enfatiza, nessa fase, a importância de priorizarmos um tempo e um espaço livres para as crianças, de brincadeira e exploração da natureza, sem pressa nem pressão, para a absorção de ideias vivas provenientes da vida real. Assim ela fala muito sobre a importância da vida fora de casa e de atividades livres e não planejadas, para que não roubemos das crianças essa tão importante experiência com a natureza em troca de estudos rigorosos em um ambiente fechado – ou pior, de imagens em telas.

Por outro lado, a Srta. Mason valorizava tanto a mente das crianças que ela propunha uma educação verdadeiramente liberal em uma idade bem tenra- daí sua afinidade com a Educação clássica. Porém ela propunha um currículo mais amplo do que o oferecido pela educação clássica de seu tempo, e um tempo de estudos limitado, para que a criança tivesse tempo livre. Ela se ressentia dos muitos anos gastos no estudo do latim, por exemplo, e por isso defendia a leitura de clássicos disponíveis na língua materna. Ela não passava dever de casa, buscando um equilíbrio entre o programa acadêmico e o físico, e oferecendo às crianças, que estão com fome de conhecer e experimentar nos primeiros anos, um conhecimento selecionado que fosse valioso, acurado e interessante.

Ela sugere também métodos apropriados às idades das crianças e ao ambiente do lar, começando com a atmosfera natural do lar e da natureza, buscando um ensino personalizado e pessoal que tenha o cuidado de não ofender, desprezar ou impedir o acesso das crianças a todo conhecimento valioso e apropriado, e fazendo uso de métodos simples como leitura e narração de livros vivos, escrita, cópia, ditado, redação e disciplina pelo treinamento em hábitos (físicos, mentais e espirituais, como os hábitos da atenção, do pensar, do imaginar, do lembrar, da concentração, da verdade, do altruísmo, da execução perfeita, da obediência, e da ordem.)

Finalmente, ao dizer que educação é uma vida, ela propõe um currículo que seja vivo, promovendo que as crianças desenvolvam um relacionamento com Deus, com as melhores idéias da humanidade por meio de “livros vivos”, e com a natureza; um currículo generoso e prazeroso, com alimento físico, intelectual, moral e espiritual. E trata dos relacionamentos entre essas esferas: da importância do ambiente e da atmosfera do ensino e das condições para a criança crescer física e mentalmente; da relação entre a vontade e a razão, e defende que não se separe a vida intelectual da espiritual.

O leitor que parte dos pressupostos teológicos reformados, apesar de ver em sua obra grande afinidade com os princípios cristãos, certamente discordará de alguns princípios da antropologia e possivelmente da soterologia da autora e de suas ramificações e ênfases (ou falta delas); mas o fará com gratidão à honestidade da autora, que apresenta suas premissas logo no início da obra, quando menciona sua lista de princípios norteadores. Ela apresenta sua fé abertamente e considera-se uma cristã ortodoxa, o que estudiosos de sua biografia confirmam ser verdade, visto que ela afirma as doutrinas aceitas pela igreja anglicana do seu tempo. Dentre estas, é importante mencionar que Charlotte Mason parece ter uma visão um tanto otimista em sua antropologia, considerando a criança alguém inocente, quase angelical, com possibilidade para o bem e para o mal, a qual distoa da visão calvinista da natureza  espiritual caída do homem e de seus efeitos sobre a integralidade do ser humano. Talvez isso seja o que a leva a uma ênfase muito grande nos hábitos e a um silêncio perigoso no que diz respeito à luta contra o pecado e à obra redentora de Cristo. De um lado, temos uma visão otimista do treinamento em bons hábitos, mas de outro, uma visão determinante em casos de má educação e uma esperança pequena no poder do Espírito Santo na restauração da imagem de Deus no homem por meio do uso dos meios de graça. A autora também parece compartilhar da visão pelagiana de que o homem é neutro espiritualmente e de que Cristo morreu por todos. 

Em certos momentos da leitura, Charlotte Mason parece estar além da sua época, quase que profetizando ou descrevendo os problemas de nossos próprios dias. Outros trechos revelam que a autora é uma mulher de seu tempo, buscando discernir a sua época à luz da Bíblia e das doutrinas de sua denominacão, buscando perceber e combater os erros (mas certamente tendo sido influenciada por eles) do romanticismo e da antropologia naturalista característicos de outros pensadores do periodo, o que, apesar de nos deixar alertas às suas ramificações na sua pedagogia, acaba provando seu ponto da importância que o ambiente, a atmosfera e as ideias exercem na educação.

 Além da questão doutrinária, notamos que algumas sugestões de Charlotte Mason vêm de sua opinião e preferência própria, da sua experiência ou do seu contexto histórico, mas se opõem a outros métodos igualmente defendidos pelos cristãos, como seu método de leitura, que aproxima-se mais de um método global do que fônico. Ela também parece opor-se à disciplina física e a certos métodos tradicionais de ensino, especialmente os que tratam a criança com rigidez, e parece entusiasta de teorias científicas e educativas inovadoras. Muito deve ser compreendido no contexto da época, em que a memorizacao estéril, por exemplo, e métodos ríspidos demais marcavam o ensino escolar do período. Hoje a situação é contrária, e pede ênfases opostas. 

Mas essas ressalvas, embora sejam necessárias para alertar o leitor a ler a obra criticamente, quase que se perdem de vista diante do tesouro de sabedoria e de bons conselhos que os pais e professores de crianças encontrarão, para nortear e dar conselhos teóricos e práticos desde temas do berçário até o ensino das mais diversas disciplinas. 

Dividida em cinco partes, Educação no Lar começa, na parte 1, expondo o problema da negligência dos pais na formação física, moral e intelectual de seus filhos e apresentando a eles os princípios educacionais básicos da autora. Na parte 2, a autora expõe a sua solução para os problemas do “ambiente físico” anteriormente apresentados, que é a importância da vida ao ar livre para a criança, e apresenta inúmeras e valiosas ideias de atividades proveitosas e educativas que podem ser realizadas fora de casa e da sala de aula. Na parte 3 ela trata da importância do ensino de bons hábitos às criancas pequenas, especialmente dos hábitos intelectuais, mas também morais. Na parte 4 temos um resumo do currículo variado que a srta. Mason propõe para crianças em fase escolar, desde o jardim da infância e da alfabetização até os 9 ou 10 anos de vida. Matérias e métodos estão incluídos nos tópicos que ela lista, mas ela consegue assim enfatizar aqueles assuntos e atividades que são essenciais a essa fase da vida da criança. Os conteúdos são ricos, variados e aplicáveis a nossos dias, e os métodos são simples, agradáveis e evocam um bom senso no ensino que, nos nossos dias confusos, soam como geniais. A sua gama de tópicos curriculares incluem – mas não se limitam a – leitura, recitação, narração, caligrafia, redação, cópia, Bíblia, ciências, geografia e história, gramática, língua estrangeira e arte. A autora deixa para discutir no final dessa obra, na parte 5, a instância mais importante da vida da criança e da educação, que é a educação da alma. Nesse interessante tratado de antropologia infantil, ela trata da vida divina da criança sob os temas da vontade, da consciência e da vida espiritual, oferecendo insights valiosos e práticos sobre os limites e possibilidades de lidarmos com a alma das crianças. Assim, por meio dessas cinco partes, que parecem prosseguir, em linhas gerais, do material ao imaterial, passando pelo ambiental, físico, comportamental, intelectual e finalizando com os aspectos moral e espiritual, a autora conclui deixando-nos impressionados com a nossa responsabilidade, diante do valor eterno da pessoa humana que Deus coloca sob nossos cuidados, de ensinar às crianças verdades eternas e esperar em confiança e dependência da obra que Só Deus pode e promete fazer. 

Ler esta obra me impactou profundamente. Ela me fez abrir os olhos para minhas responsabilidades de mãe educadora; fez-me valorizar o tempo e o privilégio de escolher e supervisionar os estudos dos meus filhos; e me deu muitas ideias do tipo de conteúdos que são relevantes no currículo. Ela também me fez refletir sobre como os princípios cristãos influenciam toda a nossa educação; fez-me ver minha pequenez no campo do pensamento educacional cristão, mas, por outro lado, acendeu em mim um desejo, aproveitando o exemplo e o legado pioneiro que Charlotte Mason nos deixou, de continuar, de aprimorar, e especialmente, de buscar pensar e aplicar uma filosofia e práticas educacionais distintamente cristãs-reformadas para os nossos dias, como ela buscou fazer para os seus. 

Finalmente, gostaria de parabenizar a iniciativa da Ariele Pedrosa de divulgar no Brasil a obra de Charlotte Mason e ainda de recomendar esta tradução excelente, em que ela conseguiu – com sucesso, a meu ver – ser fiel a este clássico educacional, passando para o português uma linguagem vitoriana rebuscada de forma clara e compreensível, mas também digna e não simplificada demais a ponto de ofuscar a beleza de expressão ou diluir a riqueza do significado da linguagem original da autora. Essa obra suprirá o leitor com muito alimento para o pensamento, e,  sem dúvida, sensibilizará, instruirá e estimulará pais e professores, como disse Jesus em Mateus 7:7-11, a imitar nosso Pai celeste e dar “coisas boas” aos nossos filhos quando eles nos pedirem pães e peixes. A comparação do ensino com uma alimentação me lembrou da advertência de Susan Schaeffer Macaulay, filha do teólogo Francis Shaeffer, em seu livro “Pelo Amor das Crianças” , em que ela expõe a filosofia educacional de Charlotte Mason, soando a mesma nota de Charlotte, mas aplicada aos nossos dias:

“Crianças pedem pão. Nos lhes daremos uma cola pegajosa branca coberta de gordura saturada? Nós estamos alimentando seus corpos com qualquer lixo empacotado que vemos em nossa frente? Ou nós as provemos de alimento bom e honesto?

E quanto às suas mentes, seus espíritos? Nós estamos fazendo aqueles olhinhos brilhantes e famintos focarem em qualquer lixo mental velho e enlatado? Estamos espanando as perguntas interessadas e esperando que as crianças ouçam depois a alguma “palestra espiritual”?

Por onde começar? Como? Os pais precisam avaliar as suas prioridades. Eles precisam considerar por que eles respondem: “Nós não teríamos tempo para ler um livro juntos todos os dias”. “Não temos tempo de caminhar, acampar, pintar, conversar com os nossos filhos”. O que é realmente importante? A carreira sagrada? Instituições educacionais são substitutos pobres para mães, pais, e lares. Nunca houve uma geração em que as crianças têm necessitado tão desesperadamente do tempo, da criatividade intencional e da amizade dos seus pais. A cultura ao nosso redor está profundamente destoante da Palavra de Deus. Outras pressões ameaçam extinguir a sanidade, a estabilidade e a simples humanidade. 

Um dos maiores poderes para o bem é a família cujos membros respeitam uns aos outros e que aprenderam a funcionar, ainda que pobremente, com os ricos conceitos que a Palavra de Deus dá para nós, seres humanos. É quase inacreditável pensar no efeito estabilizador que famílias ordinárias podem ter, não apenas para elas mesmas, mas como uma luz em uma geração atribulada.” 

Macaulay, Susan Shaeffer. For the Children’s Sake: Foundations of Education for Hone and School. Crossway Books: Westchester, Illinois. 1987., p. 10.

 

 

Bibliografia e Indicação de Leituras

Obras Completas de Charlotte Mason e currículo disponíveis no site Ambleside Online (amblesideonline.org)

Educação no Lar, Charlotte Mason, tradução de Arielle Pedrosa de Eça.

Pais e Filhos, Charlotte Mason. Editora Ideias Vivas.

For the Children’s Sake: Foundations of Education for Home and School, Susan Shaeffer Macaulay

Consider This – Charlotte Mason and the Classical Tradition- Karen Glass

Charlotte Mason Made Easy- Stephanie Walmsley.

31 Mitos sobre Charlotte Mason. Anne White

Obras de Art Middlekauff sobre Charlotte Mason

Norms and Nobility: A Treatise on Education, David Hicks.

A Bíblia Somente- Artigo da Revista Diakonia.

Teaching the Trivium. Bluedorn.

Website: Charlottemasonbrasil.com

Website: Educação no Lar, Comunidade: Educaçãonolar.com e instagram @educaçãonolar.

Website: karenglass.net

Website: Charlotte Mason Poetry.

Website: Letters from Neby.

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