Educação Clássica e Charlotte Mason-Parte 4

A Construção de Charlotte Mason: Uma Casinha na Natureza

No corre-corre dos pais e educadores cristãos — corajosos e responsáveis que são ao assumirem sua responsabilidade de buscar um plano e bons materiais para a construção da educação de seus filhos — em sua busca de pedras, de exemplos, e especialmente de modelos mais prontos (visto que não estamos acostumados nem preparados a pensar muito profundamente essas questões filosóficas), encontramos, ao lado das grandes pedras soterradas das ruínas dos  templos da educação clássica, e do monte de pedras quebradas usadas nas escolas tradicionais, e dos montes de palha coloridos da educação atual, uma casinha já toda construída. Não é um templo, nem uma escola, mas uma casa muito bem pensada e trabalhada em todos os seus pontos, tanto por dentro como por fora. Com um alicerce professadamente cristão e quatro colunas feitas de várias pedras de todos os tamanhos, limpas e polidas, tiradas dos escombros clássicos e do monte tradicional, e com suas paredes preenchidas com tijolos e outros materiais dos mais diversos, colocada num belo bosque e com jardins e muito ar fresco ao seu redor, a construção da Srta. Mason aparenta-se não a um templo, nem a um seminário, nem a uma escola, mas sim a uma bela casa da era vitoriana, um lindo lar: rico, atrativo e educativo para pais e filhos cristãos, com arquitetura solida, mas bela; com mesas generosas, mas saudáveis; com disciplina, mas com amor… E aqui estamos nós descobrindo — alguns mais encantados e outros mais desconfiados — traduzindo, lendo e estudando a possibilidade, os benefícios e os possíveis perigos de tentar copiar e reproduzir esse modelo dessa casinha, um pouco antiga, mas tão interessante e prontinha, em nossa educação.

A Planta-Baixa

Então vamos tentar conhecer e entender um pouquinho sobre esta construção. Ela é fácil de se encontrar. Graças aos educadores que montaram o site amblesideonline e a dezenas de blogs de mães e professores que têm usado com proveito a pedagogia de Charlotte Mason, tanto a planta baixa como retratos da casa, por fora e por dentro, podem ser encontrados na internet, com links para todos os materiais usados. Na realidade o “projeto educacional” ou “planta-baixa” dessa construção consiste nos seis volumes escritos por Charlotte Mason, que nos oferecem uma visão ampla e profunda de sua filosofia educacional: O volume 1: Educação no Lar chama os pais à sua responsabilidade e os ensina a educar intelectualmente, moralmente e espiritualmente os seus filhos de até 9 anos. No volume 2: Pais e Filhos ela trata do papel dos pais na instrução religiosa, na formação do caráter e na educação total da criança. No volume 3, Educação Escolar, ela oferece princípios e um currículo para a instrução escolar de crianças de 9 a 12 anos. O seu volume 4: Nós Mesmos é um currículo que ela mesma escreveu voltado para a formação do caráter, para crianças a partir de 12 anos. O volume 5: Formação do Caráter dá exemplos de casos e instruções para a formação do caráter de meninos e meninas. E o volume 6: Em Busca de Uma Filosofia de Educação é seu último livro, escrito depois de anos de experiência, em que ela oferece os princípios de uma filosofia educacional completa e menos idealista, voltada especialmente para alunos depois dos 12 anos.

O Fundamento

A primeira pergunta que nos importa fazer como cristãos é: Charlote Mason constrói sobre um fundamento cristão? Sabemos que ela era cristã anglicana devota e certamente diria que buscou construir sobre o fundamento bíblico. Mas vamos investigar o que ela ensina sobre as principais doutrinas bíblicas.

Quanto à Deus, ela reconhece a autoridade e o papel educacional de cada pessoa da Trindade. Diz que a educação deve ensinar sobre Deus em todas as disciplinas, a fim de que a criança confie nEle e reconheça o seu dever de servi-lo.

Quanto à Bíblia, ela cita muitos textos bíblicos para embasar suas idéias educacionais. Fala da necessidade de ensinar a autoridade da lei de Deus para as crianças, que seria encontrada tanto na Bíblia como na natureza e mostra como quebrá-la tem consequências. Ela insiste em que os pais devem ensinar as verdades da Bíblia- mesmo que a ciência tente descreditar a Bíblia, mas diz que podemos ouvir a ciência no que ela não contradiz a Palavra e usar boas histórias morais de autores seculares.

Quanto ao homem, ela reconhece a imagem de Deus no homem e vê a criança como pessoa, como corpo e alma, e afirma que a educação deve tratar de ambas as instâncias. Ela fala também da educação do sentimento e da vontade. Quanto à doutrina da queda do homem, aparentemente ela não crê no pecado original e na depravação total do ser humano. Logo no segundo de seus vinte princípios ela afirma que a criança nasce moralmente neutra, “nem boa nem má, mas com possibilidades para o bem ou para o mal”, embora afirme que ela herda uma natureza com inclinações viciosas, e que a criança é pecadora e precisa de perdão e restauração do relacionamento com Deus. Ela diz: “Apesar das crianças nascerem em pecado natural, elas não são nem totalmente boas, nem totalmente más. Crianças de todos os jeitos e histórias podem fazer escolhas boas ou más.” Ela era otimista no sentido de que, embora a natureza herdada seja forte, é possivel incentivar as qualidades e observar para que não se tornem desbalanceadas, e repor os defeitos com as virtudes, sem rispidez, por meio da formação de bons hábitos. Nesse ponto os cristãos reformados discordam dela, pois entendem que a criança nasce em estado de pecado, inclinada naturalmente só para o mal, em todas as suas funções, mas concordam com ela que a depravação total não significa que somos tão corrompidos quanto poderíamos ser, pela graça comum e especial de Deus. Mas esse otimismo só provém da graça de Deus, tanto da graça comum, que freia nossos vícios, como principalmente da graça especial, que regenera o homem e lhe faz nova criatura capaz de fazer o bem e agradar o Senhor.

Quanto ao conhecimento, ela afirma que este deve depender da fé primeiro, visto que a ciência pode mudar, e os pontos e a mensagem essencial da Bíblia não mudam. Ela acredita, contudo, que alguns detalhes de nossa interpretação bíblica podem ser elucidados por descobertas cientificas e, se estas forem comprovadas, elas são revelação de Deus e devem também ser recebidas por fé, visto que toda verdade é de inspiração divina, e ela gostava de citar Isaías 28:29 onde lemos que Deus instrui o agricultor em seu bom-senso e conhecimento necessários para seu trabalho. Ela cria que toda verdade é inspirada por Deus e não precisamos separar entre cristão e secular. Ela via os perigos e lutava contra o racionalismo, o materialismo, e o naturalismo de seus dias mas sem dúvida foi parcialmente influenciada por eles. Vemos isso, por exemplo, na sua visão do papel do professor, que deixa de ser o transmissor de verdades da educação clássica, para ter o papel de incentivar e dar oportunidades de aprendizado, mas com poucas palavras ou ensino direto. A criança aprende quase só, sem precisar de aplicações, exceto no ensino do caráter e religião. O professor coopera, mas principalmente dando exemplo, discipulando, estabelecendo bons hábitos, nutrindo as qualidades e insistindo no hábito oposto aos defeitos das criancas com dedicação e amor. E ela insiste que quem deve primeiro ensinar disciplina e auto-controle são os pais, não a escola. Como crentes bíblicos, precisamos apontar que hábitos somente não salvam a criança, que ela precisa de regeneração para produzir bons frutos, que a criança nem sempre tem a pre-disposição de aprender o que é bom, e que o papel dos pais, além de prover, sim, ensino e preceitos diretos, também envolve corrigir com disciplina não só positiva, mas muitas vezes corretiva.

Quanto à educação, seu alvo era produzir nas crianças um espírito inquisitivo e amor pelo conhecimento, e ensinar o  ideal da sabedoria e virtude pelo que há de melhor na literatura e linguagem. A educação foca na pessoa individual, mas tem um fim social: o progresso da raça humana, intelectual e moral; e nesse ponto notamos em Charlote Mason uma grande esperança no papel do Estado. A educação, sendo “serva da religião”, teria também fim espiritual, de produzir relacionamento com Deus e com suas verdades. Isso seria feito por meio de uma formação ampla e de um currículo generoso, não só acadêmico nem só vocacional. Seu método ou seu “Trivium” é diferente do clássico visto que ela afirma que a educação se dá, principalmente, pela:

  1. Atmosfera do Lar- que deve ser de aceitar a criança como ela é, de esperar o melhor dela e estimular o conhecimento;
  2. Disciplina- que consiste especialmente no treinamento em bons hábitos;
  3. Vida- que defende um conhecimento que seja 1) vital, e o ensino deve consistir de apresentar às crianças “idéias vivas” sobre a natureza, sobre as pessoas, e sobre Deus por meio do que há de melhor e mais inspirador nos livros. 2) generoso: o currículo deve apresentar um banquete para a criança provar de tudo e escolher os pratos que mais lhe apetecem, e desfrutá-los por um estudo lento e proveitoso. Enquanto a educação clássica prioriza a qualidade sobre a quantidade, Charlote propõe “Qualidade com quantidade”, o que ela acredita ser possível conciliar se retirarmos as atividades supérfluas da educação, como excesso de exercícios, repetições, avaliações, e usarmos principalmente leitura (e narração) de livros interessantes para a criança.

Quanto ao método, Mason dizia que o aprendizado, em seu nível mais profundo, não é só intelectual; algumas coisas se aprende memorizando, como Matemática, Bíblia, Poesia, Shakespeare, mas outras se aprende melhor por meio de um “relacionamento”. Ela acreditava que a experiência e o relacionamento são mais marcantes, pelo que afirma que a educação é a “ciência das relações”, e deve incentivar a criança a desenvolver um relacionamento com Deus (pela leitura da Bíblia), com outros homens (pela leitura de biografias e bons livros com boas idéias), e com o Universo o (por experiências de vida e exposição à natureza). Em termos de método de ensino, a leitura de bons livros, conversas, e contato com os conteúdos em primeira mão seria melhor que palestras medíocres. (Aqui também objetamos como crentes que alguns conhecimentos não devem se dar pela experiência, como o conhecimento do pecado, por exemplo; e que a palestra e outros métodos que não são naturalmente atraentes e agradáveis para crianças, também são métodos válidos, visto que aprouve a Deus mesmo usar a “loucura” da pregação para a salvação e edificação das almas)

Quanto ao conteúdo e prática educativa: A educação deve focar no relacionamento da criança com Deus, com a mãe, com pessoas e culturas do pasado, com grandes idéias e com a criação. Por ver a criança com mentes curiosas e capacidades que devem ser respeitadas, Charlote Mason enfatizava que elas não devem receber alimentos diluídos, mas precisam de material interessante para digerir, precisam do que há de melhor na literatura, uma dieta variada que estimule o prazer de aprender (até porque não sabemos — dizia ela — dada a variedade natural entre as crianças, quais idéias vão ser absorvidas por quem). A autoridade deve ser balanceada pela mansidão e misericórdia. Os pais não precisam fazer tudo pela criança– podem deixá-la trabalhar, pensar por si mesma. As crianças devem ter o direito a tempo livre, a fazer escolhas de amigos, de como usar o dinheiro, por exemplo, e a chegar a conclusões próprias. As aulas devem ser curtas, sem avaliações tradicionais com notas, sem recompensas e competições que segundo ela incentivam motivos inferiores ao amor pelo conhecimento. As crianças nao têm dever de casa e devem ter as tardes livres para que possam brincar e ter contato com natureza e sua criatividade estimulada. As crianças devem ter suas vontades educadas, por meio de conhecimentos e princípios que a embasem para aceitar ou rejeitar idéias, com o objetivo de que tomem uma decisão firme de fazer o que é nobre. Vemos aqui um foco na razão e na vontade e uma atitude otimista da infância que, segundo ela, tem a vantagem de ser mais inocente, mais confiante e mais humilde que a idade adulta.

Buscando responder a pergunta se ela constroi sobre o fundamento bíblico, podemos dizer que ela é bíblica ao enfatizar a pessoa inteira em seus aspectos espiritual, moral, artístico, biológico, vocacional, relacional, legal e cognitivo (pela busca pela verdade, que não é uma busca cega e autônoma, mas parte da revelação, das descoberta dos outros e da descoberta própria). E que em geral seu arcabouço é bíblico e verdadeiro, mas que, em sua abertura à ciência e à natureza como autoritativas, ela distorceu o ensino bíblico sobre o pecado original, o que trouxe consequências para o otimismo que ela coloca na curiosidade natural da criança, no poder dos hábitos, no próprio papel da educação e no progresso da raça humana. E parece que o seu fundamento ficou fraco também pelo que ela não enfatizou: a doutrina bíblica da soberania de Deus, os efeitos da queda e a necessidade e alcance da obra de Cristo e do Espírito na regeneração e na santificação, a doutrina do Pacto, da Escatologia, do reino de Deus no mundo e do sacerdócio universal de todos os crentes, por exemplo.

Pedras da Educação Clássica

Dissemos também que, na construção de sua casa, Charlote Mason usou algumas das grandes pedras da educação clássica, mas usou também algumas de tamanho menor, e outras ela trabalhou antes de encaixar na sua construção. Nesse ponto alguns estudiosos dessa autora podem discordar de mim, especialmente dependendo de nossa definição do que seria uma educação clássica. Se definirmos educação clássica como uma cópia daquela realizada pelos antigos pagãos ou pelo escolasticismo medieval, ou como o ensino do latim, ou como um ensino rígido e penoso que ocupava as crianças seis dias por semana e doze horas por dia, ou como o ensino exclusivo do trivium e do quadrivium, teremos que concordar que Charlote Mason fez um grande rompimento com o clássico. Mas se buscamos definir o clássico por sua essência, que seria a de oferecer uma formação liberal, nas humanidades, com foco nas grandes obras produzidas pela humanidade, por meio do incentivo à linguagem, ao pensamento e a expressão, e posteriormente pelo estudo das ciências, então podemos dizer, com outros estudiosos de Mason, que ela pertence, sim, à tradição clássica, visto que ela entendia o clássico e teria buscado adaptar a educação clássica para as necessidades de seus dias. Que pedras, então, a Srta. Mason carregou da Educação clássica, e em que ela as trabalhou?

– Ênfase na leitura de bons livros e autores, dos quais muitos são os mesmos da educação clássica. (modificação: não precisariam ser lidos no original em latim; ela também usava obras mais modernas; usava autores seculares, mas eles teriam que ser selecionados)

– Importância de pensar e expressar (modificação: mas enquanto a educação clássica o fazia pelo estudo sistemático da lógica e da retórica, ela o fazia pelo treino em narração e produção de textos);

– Alvo moral como propósito do estudo intelectual, por meio de textos que ensinem e dêem exemplos nobres e virtuosos;

– Importância das humanidades e de ler os clássicos, para aprender com as idéias do passado e participar da grande conversação;

– Desejo de elevar o aluno ao nível dos grandes pensadores e não rebaixar as obras para a linguagem das crianças;

– Proposta de uma “educação liberal” adaptada para os seus dias, (modificação: redefinida e simplificada para alcançar as massas e incluir áreas não acadêmicas, inclusive a manual e vocacional);

– Trabalha o básico, “os 3 Rs”: a Leitura, Escrita e Aritmética, o “arroz e feijão da educação” (modificação: mas acrescenta outras disciplinas e ênfases como igualmente importantes);

– Não foca na matemática nos primeiros anos, a não ser nas experiências de vida e memorização de tabelas;

– Aceita métodos típicos da educação clássica: memorização, recitação, diálogo, cópia, ditado, gramática, etc.

Vamos assim que muitas das pedras usadas por Charlote Mason são as mesmas da educação clássica, mas algumas foram polidas e trabalhadas para melhor se encaixarem na sua construção. Há quem objete que ela não pode ser considerada uma educadora clássica por haver conscientemente criticado a educação clássica de seus dias e buscado romper com ela. Aqui é importante ouvirmos o que ela mesma tem a nos dizer sobre o que procurava fazer. Ela diz de seus princípios: “Algumas coisas são novas; Muitas coisas são antigas”. (Filos. da Educação, p. 27) E, em outro lugar:

“Poucas coisas poderiam ser mais desastrosas, (e poucas são mais iminentes) do que um romper repentino com as tradições do passado. Portanto, vamos, gentilmente, atar os laços que nos unem às gerações que estão precedendo tão rapidamente. É bom que ajuntemos, com reverência terna, tais fragmentos de seus insights e experiência a que tivermos acesso. Pois quem dera fôssemos, cada um, como um dono de casa, que tira de seu tesouro coisas novas e velhas. (Formação do Caráter, p. 156-157.)

À vista dessas explicações, parece-nos mais justo dizer que, embora Mason tenha buscado reformar algumas práticas da educação clássica de seus dias, ela não buscou romper totalmente com ela, mas entendia que esta “formava homens mais nobres” que os formados pelas escolas modernas, como ela mesma afirmou. E ainda que ela tivesse buscado um rompimento, podemos entender que o fato de ela ter conhecido bem as escolas clássicas de seu tempo, lido os autores clássicos, ter sido formada e visto outros formados nas escolas clássicas publicas inglesas de seu tempo fez com que ela inconscientemente tivesse mais em comum com o “clássico” do que nós que tentamos hoje resgatá-lo. Como concluiu uma de suas estudiosas: “Na prática, há muitas diferenças entre Charlote Mason e a Educação Clássica, mas mais ainda entre ela e a educação de nossos dias.”

Tijolos Modernos

Tendo examinado que pedras clássicas a senhorita Mason utilizou em seu currículo, e como algumas delas foram trabalhadas para melhor se encaixar na construção de seus dias, vamos examinar em que aspectos sua construção era, de fato, diferente da clássica, e se aproximava mais de tijolos modernos, ou que áreas ela buscou reformar. Os seus tijolos modernos são aparentes, estando presentes mais nas paredes, não no fundamento, ou seja, Chalote Mason parecia querer reformar especialmente algumas práticas das escolas clássicas. Ela diz que as escolas publicas inglesas do seu tempo eram clássicas, e não critica esse ensino em si, pelo contrário: ela reconhece que o currículo clássico — pelo menos a sua literatura– era alimento genuíno para a mente: as melhores idéias dos melhores escritores. E reconhece ainda que elas formavam homens de melhor caráter, instruidos nas humanidades, qualidade, cultura e poder. Mas ela as acusa de alguns problemas: 1) de ensinar só o basico, e da falta de um currículo mais amplo; 2) de gastar tempo demais em Latim e da falta de mais leituras em inglês (língua materna), que teria também excelentes escritores. 3) de ser uma educação que era para os privilegiados pois o aprendizado das línguas levava muitos anos e somente os jovens abastados podiam pagar para estudar e ficar sem trabalhar e ajudar as suas famílias. Ela queria que fosse uma educação para todos e que não tomasse o dia inteiro. Essas críticas mostram que Mason, embora não desejasse romper com o passado, queria reformar algumas práticas:

– Quer reformar a educação liberal para alcançar as massas, e ajudar cada criança individual– não só selecionar uma elite para faculdade.

– Quer adaptar o clássico a seus dias, usando livros e autores mais modernos e na língua materna.

– Quer uma educação que tome menos tempo, só as manhãs, para que à tarde os mais jovens estejam livres para brincar e os mais velhos para trabalhar e ajudar suas famílias.

– Quer diminuir a rispidez das práticas e o trabalho puramente mecânico.

– Tende a depreciar alguns métodos tradicionais;

– Deseja ampliar o objetivo da educação, que não deve ser só acadêmica e moral- mas relacional, vocacional, etc. E reconhece que as pessoas ideais para dar esse ensino mais balanceado, especialmente nos primeiros anos, são os pais.

– Defende começar o ensino mais cedo, mas em casa, e de maneira informal.

– Propõe método de alfabetização que não seja puramente fônico e mecânico, mas que estimule o relacionamento da criança com a palavra e boas orações e a introduza a textos “vivos”)

– Sugere menos tempo com as línguas clássicas e mais domínio da língua materna.

– Defende ensino das línguas não tanto pelo ensino puro de gramática, mas por meio de textos. (questão em debate até hoje)

– Quer “enxugar” o que ela considera como “tempo perdido” (revisões, sumários, repetições, explicações, exercícios, avaliações desnecessários, etc.) e substituir pela leitura de livros atraentes que seriam cativantes e aprendidos naturalmente.

– Deseja trocar o “chato” pelo empolgante, o “mecânico” pelo vivo, por meio dos melhores livros, idéias e relacionamentos que possamos oferecer aos jovens.

– Deseja adaptar ao ensino às descobertas da psicologia infantil de seu tempo e às fases de desenvolvimento da criança. (não foi o que a Dorothy Sayers também sugeriu?)

Até que ponto as suas sugestões de mudanças vêm da sua experiência de educadora e do seu ponto de vista cristão (que muitas vezes nos colocam além de nosso tempo) e até que ponto elas foram indevidamente influenciadas pelos pensadores progressistas do século 19 o leitor terá que julgar, mas sabemos que foi durante a sua vida que a educação clássica começou a sofrer ataques e que a Europa viu com esperança a ascenção do romantismo, do darwinismo, do socialismo, da defesa da estatização e universalização da educação. Por temor de obscurantismo, a senhorita Mason lia avidamente os autores modernos. Mas, sem compreender devidamente a antítese entre essas filosofias e a sua fé cristã (como também acontece hoje, por exemplo, com crentes petistas ou esquerdistas), ela tentou conciliá-las (pelo menos em alguns de seus aspectos) com a fé cristã, o que é sempre uma postura perigosa, seja quando tentamos conciliar a filosofia clássica (problema do escolasticismo, por exemplo) ou a moderna. E ela não viveu para ver as distorções e consequências desastrosas de muitas dessas filosofias, como o comunismo, a teologia liberal e o declínio educacional moderno.

Essa Casinha é Clássica ou Moderna?

Enfim, o debate continua, mesmo no meio acadêmico, quanto ao posicionamento da filosofia de Charlote Mason: Ela é classica ou progressista? Estudiosos como Art Middlekauf insistem que ela é moderna, e que, à semelhança de Comênio, suas ênfases progressistas fazem deles responsáveis pelo declinio da educação atual. Ainda outros, como Karen Glass, defendem que ela pertence à tradição clássica, não por ter imitado suas práticas, mas buscado os porquês e a sua essência para poder melhor aplicá-la aos seus tempos.

Mais uma vez sugerimos que precisamos entendê-la no seu contexto e partindo do seu ponto de vista, em que afirmava ser clássica nas “coisas velhas” e progressiva nas “coisas novas”. E, finalmente, ainda que ela se visse como algo totalmente novo e tivesse deliberado romper com o clássico (o que sabemos que não é verdade), sabemos que o antigo estava impregnado na sua formação. Explico: Acredito que, se eu, que fui formada em escolas tradicionais e nunca conheci escola clássica, deliberadamente decidisse, hoje, elaborar um currículo clássico, creio que ele não seria tão clássico quanto o sugerido por Mason, cuja formação fora embebida dos clássicos. Então, de qualquer forma, acredito que os educadores que estão hoje em busca de um ensino clássico para seus filhos têm muito a aproveitar do currículo oferecido por Mason. Mesmo Laurie Bluedorn, autora do “Teaching the Trivium”, que propôs uma educação clássica cristã para hoje, afirma: “Charlotte Mason é grande parte no nosso livro. Nós tomamos o melhor de Charlotte Mason e o melhor do clássico.”

Portanto, por mais comprometido que você esteja com o método clássico, acredito que há sim possibilidade de diálogo com a filosofia de Charlote Mason, e que ela pode lhe ajudar, das seguintes maneiras:

1- Por seu exemplo de adaptar o clássico a seus dias: ela é muito mais clássica do que nós pelo seu contexto histórico e familiaridade com a educação clássica. Ela queria algo mais leve, mais adaptado a seus tempos, como a maioria dos educadores clássicos hoje também quer, “uma educação clássica para os nossos dias”. Podemos tomar o melhor dela, como fizeram os Bluedorns.

2- Ela dá um balanço ou equilíbrio para os educadores que seguem a educação clássica, lembrando-os de outras áreas que precisam trabalhar nas crianças, mesmo que seja fora do ambiente escolar. E sugere outras disciplinas e a maneira de integrá-las ao trivium.

3- O clássico foca no essencial, no geral, no que todos devem aprender. Ótimo. Mason foca nos demais aspectos que não devem ser negligenciados, no mutável, nos particulares: idade da criança, jeito dos pais, diferentes disciplinas, etc.

4- Ela busca um ensino que seja clássico mas evitando a rispidez e a secura da educação puramente clássica. Ela não dá só um pão seco, mas um prato sortido e enfeitado. Ela não constrói uma fortaleza de pedra, mas uma casa bela e decorada; ou seja, ela tenta adicionar ao estudo necessário o prazer de aprender.

5- Ela supre a lacuna deixada pela educação clássica que tradicionalmente começa aos 9 anos de idade, propondo uma resposta para a pergunta: O que fazer com a criança até os 9 anos? E sem cair no erro atual de terceirizar a educação pré-escolar, ela propõe que os pais sejam mais que cuidadores, protetores e provedores: que sejam pais educadores.

6- Assim ela incentiva a educação domiciliar e o papel dos pais e lhes dá embasamento teórico, métodos úteis e dicas práticas para preparar os pais para assumirem essa função.

7- Ela indica leituras mais apropriadas aos cristãos e “para o dia de hoje”. Oferece uma literatura de linguagem mais acessível a nós e a crianças mais novas e que complementa o clássico.

8- Ela nos ajuda e incentiva a pensar uma filosofia educacional, com teoria e prática coerentes. Ainda que você discorde completamente de tudo o que ela diz, você ainda pode aprender muito com o modelo ou estrutura de filosofia e pedagogia encontrada nos seus seis volumes.

9- Ler Charlote Mason, ainda que você discorde dela em muitos pontos, lhe ajudará a alcançar equilíbrio e maturidade na formação de sua filosofia educacional, ensinando-o a dialogar, a aproveitar, a discordar, sempre com embasamento e assim a amadurecer e a aumentar o seu próprio nível educacional.

10- Conhecer a filosofia de Mason e de outros educadores, seculares e cristãos, clássicos ou não, lhe ajudarão a compreender o que é uma educação clássica e os vários modelos educacionais, com suas vantagens e desvantagens para você. Educadores que não desejam ser educados e aprender com outros educadores irão permanecer num nível mais baixo e serão enganados, acreditando em qualquer currículo pronto ou escola que prometam ser clássicos, cristãos, ou Charlote Mason, ou seja o que for, e nem saberão identificar que sua filosofia ou práticas não são coerentes.

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