Educação Clássica e Charlotte Mason, Parte 2

Em Busca de Pedras para a nossa Construção Pedagógica Cristã

Se você ainda não leu a parte 1: Algumas Considerações sobre uma Alimentação Educacional Saudável, leia aqui.

Como então ajudar as famílias a fazer boas escolhas na busca de uma educação cristã balanceada para seus filhos? Oferecendo um menu educacional pronto para as famílias? Não é meu objetivo nem me parece ideal no momento fazer tal prescrição. Não que eu ou outras mães e educadores não podemos compartilhar o básico do que acreditamos e fazemos ou que isso não pode ajudar outros. Mesmo os melhores nutricionistas que escreveram livros e menus (ou, no nosso caso, os educadores clássicos e a Charlotte Mason com suas prescrições no campo educacional), o fizeram nesse espírito de servir de ajuda a outros, mas com consciência de suas limitações e da necessidade de flexibilidade.

A melhor ajuda que vocês poderiam receber seria um pouco de instrução teórica sobre os macro e micro-nutrientes, e sobre as principais correntes de dietas educacionais. Essa instrução teórica ou filosofia educacional, para os crentes, é idealmente uma construção que deve partir do fundamento ou alicerce dos princípios bíblicos sobre quem é Deus, quem é a criança, o que é o mundo, o que é educação, que conhecimento é mais importante, etc. E a edificação dessa pedagogia é feita com base nas verdades descobertas sobre o homem, sobre o aprendizado e sobre o mundo, que às vezes é tirada de filósofos e cientistas cristãos, às vezes de estudiosos seculares. Mas essas “pedras” da verdade são sempre de Deus e precisam ser limpas, moldadas e encaixadas na forma e no estilo da nossa construção. Quanto mais vocês conhecerem sobre essa “planta” ou projeto educacional de Deus, mais liberdade vocês terão para encontrar e escolher, resgatar e usar as pedras de outros autores sem estragar a nossa construção. Essa “planta” eu já busquei oferecer a vocês em outros materiais como nos “Fundamentos Históricos e Filosóficos de uma Educação Bíblico-Reformada”. Nesse artigo eu pretendo caçar boas pedras em dois montes em particular, e tratar da possibilidade de interação entre elas e, posteriomente, da possibilidade de usá-las numa construção pedagógica cristã.

As Ruínas da Educação Clássica

Nosso primeiro monte de pedras é o mais antigo, o da Educação Clássica. Na verdade essas pedras são ruínas de um templo construído para a adoração de homens. Apesar de ter sido construído com várias pedras boas, belas e verdadeiras, ele não tinha fundamento, e, ao ser usado para a adoração da humanidade, o prédio ruiu e ficou soterrado, de maneira que é difícil hoje sequer imaginar como reconstruir o templo inicial. Mas, como crentes, não queremos reconstruir esse templo humanista e idólatra. Contudo, ouvimos falar de muitos cristãos que encontraram pedras sólidas e boas nesse monte, se comparadas ao barro esfarelento e dos montes de palha da educação atual; e vamos até ele. O que encontramos ali? Depois de muito cavar, descobrimos sete pedras úteis para a nossa parede: As três maiores se prestam para colocarmos logo acima da fundação: a pedra da Gramática, da Lógica e da Retórica. Aqueles antigos queriam formar grandes homens, e entenderam que três caracteristicas distintas da humanidade são a capacidade de usar palavras, pensar e criar. Acima destas pedras, outras quatro espécies de verdade – o quadrivium – tem sido consideradas úteis: a aritmética (verdades absolutas matemáticas instrínsecas ao universo), a astronomia (verdades das ciências empíricas percebidas pelos sentidos), a geometria (verdades sobre relações espaciais úteis para engenharia e artes visuais) e a música (verdades estéticas, harmonia e beleza). (VEITH, 1999, p. 87). Empolgados que eram com a capacidade racional do homem, buscaram desenvolvê-la por meio dessas disciplinas, e esperavam que a humanidade seria redimida por meio da educação e formação de filósofos virtuosos. De fato, por meio de trabalho intelectual árduo, muita leitura e literatura, a civililização greco-romana formou grandes escritores, pensadores, oradores, artistas, matemáticos, cientistas e engenheiros e as pedras desse monte foram buscadas e utilizadas por sociedades que queriam formar homens como estes. Como a educação cristã valoriza o homem criado à imagem de Deus e busca desenvolver suas qualidades mentais e morais essenciais, muitos cristãos têm usado as pedras das Sete Artes Liberais para erigir a coluna da formação acadêmica dos jovens.

Mas nenhum prédio pode ser construído sem um fundamento. Tampouco com apenas uma só coluna num de seus quatro cantos. E a pedra angular da educação clássica antiga ainda era a errada, pois o fundamento da humanidade não é a razão mas o coração espiritual, e a pedra angular que os contrutores educacionais pagãos usaram, fosse Aristóteles, Platão ou Sócrates, não era adequada para suprir a necessidade maior do ser humano: de redenção espiritual. E todos aqueles grandes intelectuais, juntamente com seus alunos e toda a civilização formada por eles, pereceram sem esperança. Eles buscaram a verdade, mas não em Cristo; buscaram sabedoria, mas sem o temor do Senhor. Eles tinham grandes mentes, mas na hora de atravessar o rio, não sabiam nadar. Então nós podemos sim usar aquelas pedras acadêmicas, e até algumas pedras morais, mas elas precisam ser colocadas depois da rocha angular que é Cristo, e ainda precisaremos de outras boas pedras para as demais colunas do nosso prédio, também um templo, também belo e sólido, mas com um estilo santo e dedicado para a adoração e serviço do Deus do Universo, não do homem.

O Monte da Educação Tradicional

Quase ia esquecendo de dizer que, ao lado desse grande monte de pedras da educação clássica, existe um monte menor. As pedras não são tão grandes ou pesadas, mas são da mesma espécie de material, e já estão quebradas em pedaços bem menores e fáceis de carregar e usar, mais como pequenos tijolos. Não é de se estranhar que, com o passar do tempo, as pessoas que iam em busca das boas pedras clássicas foram desistindo de cavar, encontrar e carregar aquelas pedras grandes e pesadas, e ficaram satisfeitas em ajuntar os pedaços dessas pedras que estavam no monte mais prático da educação tradicional. Os livros são mais fáceis, o pensamento mais artificial, a oratória menos elaborada, a memorização menos pesada, e todo o trabalho de construir com aquelas pedras-tijolo, bem menos árduo. É claro que a construção não é tão bela e resistente como a clássica, mas ainda é melhor do que as casas de barro e palha da educação atual. Ainda encontramos prédios feitos com esse material; não são templos imponentes; são escolas simples e tradicionais, mas elas estão cada vez mais fora de moda e mais escassas, e bastante criticadas como atrasadas e inadequadas aos tempos modernos. Ainda assim, é o mais perto que podemos chegar, hoje, àquelas boas pedras da educação clássica.

O Terremoto da Modernidade

O terremoto modernizante que abalou o mundo no século XIX enterrou as últimas construções educacionais feitas  com as sete pedras clássicas. Nossa educadora Charlotte Mason viveu exatamente nesse contexto. Novos educadores criticaram o próprio uso de pedras – ou verdades – nas construções educacionais. O humanismo, o relativismo, o ceticismo, o cientificismo, o evolucionismo, o romanticismo, o pragmatismo, o socialismo e todos os “ismos” mancos atacaram a existência e a necessidade de verdades absolutas sobre Deus, sobre o homem e sobre o universo;  defenderam a rejeição de qualquer alicerce; e passaram a defender o uso de tijolos de barro nas novas construções educacionais. Educadores progressistas criticaram a educação clássica como ultrapassada, inadequada, elistista, teórica, idealista, e como ameaça aos interesses dos governos ditatoriais e comunistas. E debaixo de tantas críticas e revoluções, a educação clássica foi completamente soterrada.

A partir do século XIX e XX esses novos prédios, que almejavam ser novas torres de Babel, prometiam levar a humanidade até o céu, sem a necessidade da pedra angular, ou do Redentor. E agora esses edifícios podiam ser vistas em todo lugar, sempre em construção, sempre cheios de esperanças e promessas orgulhosas de que, finalmente, chegaríamos no paraíso sem ter que adorar a Deus ou a deus nenhum a não ser a confiança na nossa capacidade ou progresso.

Aos “-ismos” do século XIX se seguiram os do século XX: o estatismo e o uniformitarianismo na educação; o secularismo que separou a ciência da religião; o liberalismo teológico e a promessa da salvação pela educação; e o existencialismo que eleva a vontade e os sentimentos acima do intelecto. Então chegamos à era da informação e da tecnologia, do prazer, da facilidade, da trivialidade, do pós-modernismo, do declinio teológico, do fracasso educacional geral. Não demorou muito para que Deus descesse e pussesse um fim nessa pretensão orgulhosa da humanidade, permitindo duas guerras mundiais, os terrores do comunismo e do fascismo, governos corruptos e centenas de outras decepções para confundir essa falácia e mostrar aos homens que esse ídolo da auto-confiança e da auto-salvação jamais poderá nos levar à paz e à prosperidade do Paraíso de Deus.

A Construção de Charlotte Mason

Até que uma educadora anglicana que viveu entre os anos 1842 e1923 na Inglaterra fez algo inédito: Charlotte Mason buscou construir uma filosofia educacional completa e cristã, e pô-la em prática. Estudou bastante, pensou bastante, escreveu bastante, e ousou desenhar uma planta e começar a construção de uma filosofia educacional que se propunha ser cristã, clássica e moderna – embora há quem faça todo tipo de questionamento quanto a esses três termos: se é possível ser cristã e clássica, se é possivel ser cristã e moderna, se é possivel ser clássica e moderna, e se é possível um educador ser as três coisas consistentemente – Mas para nós que estamos olhando para a senhorita Mason no seu contexto, isso não é tão difícil de entender. Ela estava em uma posição única: ela viu os últimos prédios sólidos e desgastados da educação clássica das escolas públicas inglesas. Ela viu várias escolas tradicionais com suas pedras menores e qualidade inferior. E viu, até certo ponto impressionada, o início da construção daquelas grandes torres de Babel feitas de tijolos de barro. Ao formular sua filosofia educacional, ela buscou um alicerce cristão, embora limitada ao cristianismo um tanto falho da igreja anglicana de seu tempo. Para a coluna acadêmica, ela sabia onde procurar o que era sólido, mas queria evitar um pouco do peso e do desgaste do prédio classicista. Acima de tudo ela temia a inclinação clássica que enfatizava apenas o acadêmico e desprezava os demais aspectos e influências do ser humano, e assim procurou outros montes com outras pedras que sustentassem as outras colunas do aspecto físico, sentimental-moral, vocacional e relacional do ser humano. E, aberta que estava às novas descobertas modernas, em vários aspectos ela se encantou com as promessas das novas construções, embora seu senso comum muitas vezes duvidasse da durabilidade de uma construção sem alicerces. E agora vocês entendem como a pedagogia da Srta. Mason está, como disse uma estudiosa sua – nesse limbo entre a educação clássica e a moderna.

Continua…

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