Aos Seus Pés

Lições de um Pai a Seus Filhos

Hoje (04/Abril) faz dois meses que o nosso bondoso Pai Celeste chamou nosso querido pai, o Pr. Paulo Anglada, no auge dos seus 64 anos, ainda ativo e cheio de planos, para o Seu Lado, para as mansões de glória, para a assembleia triunfante, para descansar de suas fadigas e dores e cantar para sempre os louvores do Cordeiro que o amou e que Se deu a Si mesmo por nós.

Gostaríamos então de aproveitar essa oportunidade para compartilhar, por meio desta adaptação do texto que escrevemos por ocasião do seu falecimento, um pouquinho das lembranças e das lições que aprendemos aos seus pés (e aos pés da mamãe também, é claro!), quando ainda éramos crianças, em nosso lar, lições que aprendemos não tanto por palavras, mas pelo modo como o papai nos segurou pela mão e nos ajudou a andar nas suas pisadas, ou melhor, nas pegadas do seu próprio Pai bondoso, pelo seu exemplo. E é por isso que nós agradecemos tanto ao Senhor pela vida dele: não somente por quem ele foi, e sim pelo modo como Deus operou no seu coração, transformando-o mais e mais na imagem dAquele que tanto lhe amou.

Com o papai, aprendemos sobre as nossas três prioridades: primeiro Deus, depois a família, depois o trabalho. Por isso, em primeiro lugar e acima de tudo, papai nos deu uma razão para viver: a glória de Deus e a promoção do Seu reino nesse mundo. Ele nos ensinou a batalhar pelo evangelho: pela autoridade suprema da Palavra de Deus (nossa única regra de fé e de prática); pela proclamação da soberania de Deus na salvação e na história; pela confiança na obra e na graça de Cristo somente para a nossa salvação; pela pureza da igreja como coluna e baluarte da verdade; pela importância da comunhão íntima e constante com Cristo e com a Sua igreja; e pela necessidade de proclamar o evangelho aos perdidos ao nosso redor. “A igreja não é um hospital, nem lugar de entretenimento, mas um campo de batalhas para a formação de soldados do reino de Deus, cada um em sua vocação e esfera de atuação” – ele dizia. E nas lutas contra o inimigo das nossas almas e da igreja, ele saiu na frente, como um general decidido e corajoso – encorajando e protegendo os seus queridos soldados, e preocupado com a formação de outros soldadinhos, seus filhos e netos na fé.

Assim, ele nos ensinou que sempre vale a pena pôr o reino de Deus em primeiro lugar na nossa vida, confiando que tudo o mais nos será acrescentado. E foi isso que vimos acontecer. Nossa vida, tempo e investimentos, como família, eram especialmente para a igreja e para as coisas do reino: os cultos, a comunhão com os irmãos, os trabalhos na editora Clássicos Evangélicos (atualmente Knox Publicações), etc. Seja por falta de recursos ou pelo desejo de nos proteger do mundo, não gastávamos com festas, cursos extras, roupas, restaurantes, etc., mas nunca nos faltou alimento, vestes, transporte, educação, atividades e amizades saudáveis, tanto física, quanto espiritualmente. Como não podíamos frequentar as melhores escolas – principalmente pela responsabilidade que ele sentia de proteger nossas mentes e corações e de ensinar todas as disciplinas pela perspectiva cristã – ele foi o incentivador e co-fundador da nossa escolinha, a Arca de Noé, a qual Deus transformou em uma das melhores de Belém (atual Centro de Estudos John Knox). Nossa festa era a comunhão com os irmãos e o nosso banquete era a pregação da palavra. E – como Deus é gracioso! –  até viagens enriquecedoras e férias proveitosas e agradáveis o papai nos proporcionou!

Papai nos ensinou sobre o valor do tempo, que é precioso e curto; sobre o valor do trabalho (“em todo trabalho há proveito, mas meras palavras levam à penúria”, ele repetia…) mas sem deixar isso tomar o lugar da família. Sempre ocupado e metódico no uso do seu tempo, sempre cheio de novos planos e projetos de trabalho, o seu lema era “orare et labutare” (orar e trabalhar). Ele era professor de grego bíblico, no seminário, e sempre que ele via algum de seus alunos das turmas da noite cansados ou começando a desanimar, ele cantava um corinho que aprendera com o Pr. Francisco Leonardo, no seminário: “Não é fácil a nossa vocação, mas é eterno o nosso galardão, almas preciosas pra Jesus ganhar, esse é o nosso alvo, vamos trabalhar!”

Durante a nossa infância, o papai tinha uma rotina semanal que seguia fielmente, para dar conta dos estudos e de todas as atividades para o reino que incluíam o preparo para as pregações (sua prioridade), reuniões de oração e de estudo, aulas no seminário, visitas e reuniões de trabalho e aconselhamento. Mas mesmo em meio à tantas ocupações, ele sempre tinha um olhar carinhoso e um sorriso no rosto ao nos ver, e achava tempo para conversar com cada um de nós, quer fosse para ajudar numa questão da escola, ou para dar algum conselho. E sempre fazia bom uso do tempo, no trânsito, ou em casa, ou depois de ouvir alguma notícia do dia, com comentários que nos ajudavam a interpretar as coisas cotidianas pela ótica bíblica. Ele dizia que uma das partes mais essenciais da educação familiar cristã está em Deuteronômio 6: “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.” Assim, era comum ouvirmos o papai, no nosso dia a dia, conversando sobre as coisas de Deus ou comentando, simplesmente, de maneira alegre, a caminho da igreja: “Ah, não tem coisa melhor do que, numa manhã tão bonita de domingo, sair com a família para ir à casa do Senhor!”. E ele não ia a lugar algum, à passeio, se não fosse com toda a família “embolada”, levando, se possível, também a vovó!  E quando vieram os netos, como ele ansiava pelo tempo que podíamos passar juntos! Ele os ensinava hinos e cânticos especiais, valores eternos e até uma introdução do curso de Grego, em sua última visita.

Papai também nos ensinou a viver por princípios, não por circunstâncias; por verdades, não por sentimentos; pelo ensino da Palavra, não por desejo ou achismo próprio; e para a glória de Deus, não para agradar a homens. E esses princípios todos tinham uma só fonte: a Bíblia. “Mais vale uma grama da palavra de Deus do que uma tonelada de ‘eu sinto’” – ele dizia. Ele havia pedido a Deus por discernimento, e isso Deus lhe deu – de modo que o conhecimento, a sabedoria e a clareza de visão lhe era algo fácil, e assim ele pôde ajudar e aconselhar a tantos.

Papai nos ensinou a piedade: o amor e o temor do Senhor, a alegria de ser um crente, a vida de fé e de esperança, cuja âncora está além do véu, a adoração a Deus pela renovação da nossa mente, a conformidade à imagem de Cristo, a importância da oração e dos meios de graça (que conforto era saber que o Papai estava sempre orando por nós, todas as manhãs e noites, como o justo Jó fazia pelos seus filhos!), e a humildade de se ver como um servo inútil, de lutar contra o orgulho – fosse espiritual ou de ostentação – a condescender com o que é humilde, a dar valor aos irmãos mais simples, a defender e ajudar os mais necessitados. Ele guardava em sua Bíblia de estudos um cartão ao qual olhava diariamente, e este cartão dizia, em inglês: “Not I, but Christ.” (Não Eu, e sim Cristo). Dentro da letra I (de eu), havia a imagem de um homem em pé, mas na letra C (de Cristo), havia a imagem de um homem prostrado, orando a Deus. E foi isso que ele evidenciou em cada um dos seus sermões, e na sua vida: que Deus seja honrado, e eu, humilhado como servo. E papai cresceu até o fim no conhecimento aliado a piedade. Ele sempre repetia o provérbio de que “a vereda dos justos é como a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais, até ser dia perfeito”, e que conforto é sabemos que essa luz agora brilha perfeitamente, refletindo e contemplando o Seu Mestre, na Glória.


E claro que há tantas outras coisas que aprendemos com o papai, que poderíamos continuar lembrando e que permanecerão em nossa memória, consciente ou não: ele nos ensinou a rir, a brincar, a sonhar, a respeitar autoridades, especialmente a nossa mãe e os mais velhos, a jogar vôlley e pingue-pongue, a apreciar a boa arte, música, arquitetura, os jardins e a beleza da natureza; a escrever, a estudar, a ter princípios sobre política e governo; a cuidar da saúde e da aparência, a apreciar prazeres simples, e qualquer trabalho bem-feito.

Não queremos iludir, nem a nós mesmos, nem a ninguém, a pensar que o papai era perfeito ou que nós já aprendemos e praticamos todas essas lições como deveríamos, mas pela graça de Deus esse tem sido o nosso desejo e, como o papai uma vez confidenciou, para nos consolar: “Nós falhamos tanto! Parece que muitas vezes a vida cristã não passa de desejos!” Então até nisso não estamos sós, e damos graças a Deus por esse desejo de ser fiéis, e oramos que, pelo poder e misericórdia de Deus, eles se tornem realidade em nossa vida, apesar de nós.


Em vista de tudo o que o papai foi e ensinou, ele nos deixou em tristeza, mas não sem gratidão a Deus por sua vida, pregação e testemunho fiel: “O Senhor o deu, o Senhor o tomou, bendito seja o nome do Senhor.” Sua partida certamente nos deixou um lugar vazio, mas não um vazio de ensinos e princípios. Ele nos deixou sentindo carentes de sua sabedoria e conselhos, mas não sem a memória do seu exemplo consistente. Ele nos deixou no meio do caminho, mas não sem direção, nem sem mapa, nem sem um destino glorioso, pois ele nos deu o rumo e o desejo de viver como ele viveu, pela graça de Deus, e de partir como ele partiu, deixando um legado de fé, como o seu, para os nossos filhos. Ele nos deixa com saudades ao olharmos para trás, mas não sem esperança para o futuro, pois ele nos contou, em nome de Cristo, da promessa de que, pela obra suficiente de nosso Salvador, um dia nos reuniremos novamente e estaremos para sempre com o Senhor. Ele nos deixou sem a sua querida companhia, mas não sem a companhia muito mais excelente de nosso Pai Eterno, de nosso Salvador amoroso e do Espírito Consolador, cujas pegadas devemos seguir, como o papai seguiu, e aos pés de Quem podemos continuar aprendendo dAquele de quem o papai aprendeu, e amou e serviu até o fim.

Que, pela graça de Deus, possamos, todos nós – com os filhos e netos que ele nos der – guardar e praticar em nossas vidas todas essas lições que aprendemos aos seus pés.  

Seus filhos: Karis, Paulus e Anna Layse


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5 comentários em “Aos Seus Pés

  1. Que lindo!
    Não conheci o Pr. Paulo, mas sou muito grata a Deus pela vida dele, pelo modo como ele criou seu filho e suas filhas, as quais têm me abençoado tanto através desse blog.

  2. Deus continue sendo engrandecido com o legado do nosso amado Pr. Paulo Anglada deixou por meio dos seus. E por todos nós que também fomos suas ovelhas.

  3. Tive o privilégio de estudar aos pés do mestre Paulo Anglada. Homem piedoso e zeloso da sã doutrina. Muito de meu ministério é fruto de sua influência e exemplo. Obrigado, Senhor! Por colocar homens de Deus, como Rev. Paulo Anglada em nossas vidas.

  4. Que linda homenagem, filhas! O sentimento é este mesmo: um misto de tristeza e saudade, mas também de gratidão a Deus pela vida dele.Beijos pra vocês!

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