Mary estava quase sem sentidos quando eles a levaram à prisão. Quando finalmente despertou para a sua completa miséria, ela chorou, soluçou, juntou as suas mãos e começou a orar. Com o tempo, cheia de terror, desolada com a tristeza e exausta de tanto chorar, ela se jogou na cama de palha e logo fechou seus pesados olhos e dormiu. Quando acordou, era quase noite. A escuridão a impedia de conseguir identificar qualquer objeto. Isso foi bem antes de ela conseguir entender onde realmente estava. A história do anel parecia um sonho para ela e no começo, ela pensou que estava na sua própria cama. Ela já estava se consolando com essa ideia quando sentiu que suas mãos estavam acorrentadas. Apavorada com o barulho das correntes, ela pulou de sua cama e toda essa triste realidade encheu a sua mente. “O que eu posso fazer?”, ela disse, caindo de joelhos, “além de elevar o meu coração a Deus? Ó, meu Senhor!” ela exclamou, “a quem eu devo ir? De quem eu devo esperar receber ajuda além de Ti? Tu podes me ouvir da minha cela na prisão; Tu podes me ver mesmo quando estou completamente sozinha. Ó Deus de toda bondade, tem misericórdia de mim! Tem misericórdia do meu pobre e velho Pai! Ó santo e misericordioso Salvador, tem compaixão de mim, e faz a minha inocência manifesta diante de todos. Conforta meu pobre pai, ó Senhor, e livra-o dessa aflição, se alguém deve sofrer, que seja apenas eu”. A lembrança de seu pai a levou a uma torrente de lágrimas. Tristeza e pena lhe fizeram calar. Soluços sufocaram a sua voz e ela chorou até que parecia que não conseguia mais chorar.
Enfim, uma suave luz iluminou a sua cela. A lua, que até agora estava encoberta por grandes nuvens, apareceu através das grades de metal, entrando na cela e formando no chão a sombra das grades. Mary conseguiu facilmente distinguir, com a luz da lua, as quatro paredes da pequena cela, os grandes tijolos que formavam a parede, a massa branca entre os tijolos avermelhados, um prolongamento na parede, na altura do busto, que servia como uma mesa, uma jarra e a vasilha que ali estavam e por fim, a palha que a servia de cama. Mary sentiu o seu coração de alguma forma tranquilizado, pois a lua parecia com um amigo próximo; e ela se alegrou em ver os suaves raios brilhando no chão da solitária cela. Ela se lembrou das agradáveis manhãs em que ela se levantava em sua pequena cama na querida casa de campo, observando a mesma encantadora luz oscilando entre os ramos da roseira pendurada ao redor de sua janela e formando o contorno de sua folhagem na branca cortina em sua pequena cama. A luz era agradável e, enquanto ela a fitava, perguntava-se se seu pai estava olhando para ela também, se os mesmos raios de luz brilhavam sobre ambos. “Obrigado, Senhor, pela menor das dádivas que são tão facilmente ignoradas”.
Surpresa, Mary percebeu que um doce cheiro se espalhava por sua cela. Retomando os sentidos, lembrou-se do pequeno buquê que havia prendido em seu vestido quando entrou no castelo, naquela manhã. Ela, então, desamarrou o buquê e o contemplou-o ao luar. “Ah!”, disse ela, “Quando pela manhã colhi este botão de rosa no jardim, e estas não-me-esqueças, quem pensaria que na mesma tarde eu estaria presa neste tenebroso calabouço? Quando eu usava esta grinalda, quem imaginaria que, no mesmo dia, estaria condenada a carregar estas correntes de aço?
É assim, o homem nunca sabe em quão curto tempo a sua posição pode ser completamente transformada, e para quão infortunados eventos as suas mais inocentes ações podem levá-lo. Verdadeiramente, é preciso que todos os dias peçamos a proteção do altíssimo”. Ela chorou novamente. Algumas lágrimas caíram sobre o botão de rosa e as não-me-esqueças. À luz da lua, essas lágrimas pareciam com gotas de orvalho. “Ele, que não se esquece de mandar a chuva e o orvalho para umedecer as flores, não se esquecerá de mim”, ela disse, e então, com a lembrança de seu pai, derramou novas lágrimas de seus olhos.
“Ah, meu querido pai”, ela disse, “contemplando esse buquê, quantos ensinamentos seus, sobre flores, me vêm à mente. Do meio dos espinhos, retirei estes botões de rosas. Da mesma maneira, alegria me virá por meio dos problemas que tenho suportado. Se alguém houvesse tentado prematuramente desabrochar as folhas desta rosa, ela teria perecido. Parece que Deus, com delicado dedo, gradualmente desdobrou esta taça vermelha, e com seu sopro derramou sobre ela um doce perfume. Ele pode dissipar o mal que me aflige e tornar em bem aquilo que parece ser apenas mal. Eu esperarei pelo tempo dEle com paciência. Essas flores me lembram dEle, que as criou. Sim, eu lembrarei dEle, como Ele se lembra de mim. Essas delicadas flores! Elas são tão azuis como o céu. Que o céu seja o meu consolo, em cada sofrimento sobre essa terra! Aqui estão essas ervilhinhas, com folhas tão delicadas, metade vermelhas e metade brancas. Essa planta cresce e se enrola ao redor de um suporte, que é necessário para que ela não fique rastejando na poeira, e lá ela fica suspensa acima da terra e dá as suas flores, que parecem com asas de borboletas. Dessa forma, eu vou me elevar ao Senhor e com a Sua ajuda, me levantarei do pó e das misérias desta vida. É esse mignonette que exala este doce perfume. Doce plantinha, você exala, com sua fragrância, aquela que te tirou da terra. Eu gostaria de ser como você e transparecer o bem mesmo diante daqueles que, sem motivo nenhum, me arrancaram do meu jardim, para me jogar nessa prisão. Aqui tem também um pequeno raminho de espinheiro-branco. Ele resiste ao frio do inverno e durante toda a estação fria, a sua cor verde persevera. Ele é um emblema de esperança. Deus, que preserva essa pequena flor verde e viva mesmo na neve e no inverno, também me preservará em meio às tempestades de infortúnios. Aqui estão duas folhas do loureiro. Elas me lembram daquela incorruptível coroa, que está reservada no céu para todos aqueles que amam o Senhor e sofrem sobre a terra em submissão à Sua vontade. Parece que eu já posso vê-la com raios dourados, uma incorruptível coroa de glória. Queridas flores da terra! Vocês tem a vida curta como as suas alegrias, vocês perecem e murcham num só instante. Mas, no céu, depois do curto sofrimento que passamos aqui, uma felicidade imutável nos aguarda, e nós nos regozijaremos na eterna glória, se Cristo, o Salvador, for a nossa esperança”.
De repente, uma nuvem escura cobriu a lua. Mary não conseguia mais ver as suas flores. A escuridão tomou conta da cela e a tristeza entrou novamente em seu coração.
Contudo, logo esta nuvem passou e a lua reapareceu com uma explosão de beleza. “É isso”, Mary pensou, “as nuvens podem pairar sobre nós, mas elas serão dissipadas no fim e nós apareceremos novamente, tão brilhantes como antes. É isso mesmo, se uma suspeita escura agora embaça meu caráter, Deus me fará triunfante sobre todas as falsas acusações”. Mary, então, se deitou novamente em sua cama de palha e dormiu com uma doce tranquilidade. Um agradável sonho acalmou seu coração e a deixou em paz. Ela sonhou que estava caminhando sob a luz do luar num pequeno jardim que ela não conhecia. Ele ficava numa clareira cercada por uma floresta de carvalhos, o que a deixou muito feliz. Até agora, a lua nunca tinha parecido tão linda ou tão brilhante para ela. Iluminadas por sua doce luz, as várias flores, os ornamentos desse jardinzinho, revelavam vários encantos e enchiam o ar com as mais agradáveis fragrâncias. Ela viu o seu pai com ela nesse maravilhoso jardim. A lua iluminava o seu semblante respeitável e sereno, animado por um sorriso gracioso. Ela correu até ele e derramou lágrimas de alegria no colo do senhor, com as quais as suas bochechas estavam molhadas quando ela acordou. Isso foi apenas um sonho, sim, mas ele confortou o seu coração mesmo assim.
Paredes de pedra não fazem uma prisão,
Barras de ferro também não.
Para o que têm inocente e calma razão
Como um refúgio elas serão.