Cristãos Bíblicos Hoje Podem Construir Usando Charlotte Mason?
Resta-nos, na última parte desse artigo, responder a pergunta mais importante para nós, como educadores cristãos: a construção de Charlote Mason pode ser imitada ou usada de alguma forma, com proveito, pela educação cristã? Isso envolve pensarmos: Charlote Mason é relevante para nós, hoje? Sua filosofia é cristã? Até que ponto podemos aproveitar seus ensinos, e o que rejeitar? É possivel uma educação verdadeiramente cristã que seja baseada em seu currículo? Responder essas perguntas, em última instância, dependerá da nossa filosofia e epistemologia, se ela nos permite ou não ler e usar autores e livros que não sejam perfeitos (ou seja, todos, excluindo a Bíblia) e, se sim, quais seriam esses autores que podem ser usados com proveito, e se Charlotte Mason seria um destes. Cristãos de todas as eras têm discordado sobre essas questões, mas partindo do ponto de vista reformado histórico, acreditamos que a chave para podermos fazer uso de um autor está não tanto na sua formação, nem na sua denominação, nem em última instância na religião que ele professa, mas sim na medida em que este autor nos ensina verdades (ainda que estas precisem ser refinadas, como o ouro que precisa ser separado da sujeira); porque a verdade é sempre de Deus, seja onde estiver, e portanto, é nossa! Pensar em termos de verdades nos ajuda a fazer bom uso de qualquer autor humano, como afirmou o puritano Richard Sibbes:
“A verdade vem de Deus, onde quer que a encontremos, e é nossa, é da igreja… Não devemos fazer destas coisas um ídolo, mas a verdade, onde quer que a encontremos, é da igreja; portanto, com uma boa consciência podemos fazer uso de qualquer autor humano” (SIBBES apud. RYKEN, p. 177).
Pedras Sólidas
Portanto, a pergunta aqui é: Charlotte Mason descobriu, organizou ou propôs idéias verdadeiras, de acordo com a Bíblia? À medida em que essas verdades forem relevantes para a educação cristã hoje, podemos fazer uso delas. Sugerimos aqui que esses seriam seus pontos positivos ou verdadeiros, em que podemos aprender dela:
– Seu intento e capacidade de buscar formular uma filosofia educacional completa, com sugestões práticas coerentes com essa filosofia. Nesse sentido, podemos imitar seu arcabouço e exemplo de uma filosofia educacional consistente.
– O chamado que ela faz aos pais (não à escola dominical nem à comum, nem ao Estado) à sua responsabilidade, dignidade, envolvimento e função de revelar Deus aos filhos, e seu reconhecimento de que o Lar é insubstituível para a formação do caráter.
– O reconhecimento da pessoa como ser integral e sua tentativa de educar todas as áreas, muitas negligenciadas até hoje, como as habilidades vocacionais, treinamento em hábitos, etc.
– O reconhecimento da importância da atmosfera, da disciplina e de idéias vivas para a formação da criança.
– Proposição de um método simples, caseiro e eficaz, baseado na leitura de bons livros originais e narração.
– Ter buscado um método agradável para crianças: passeios, conversas, livros, canto, dramatização, desenho, piano, pintura, mapas, argila, caminhadas na natureza, caderno de adotações, viagens com família, tempo livre.
– O resgate da importância das ciências e do estudo e apreciação da natureza e as maneiras como esta revela a Deus.
– A valorização a educação de cada criança, não a seleção dos melhores e consequente desprezo dos que não se dão tão bem academicamente.
– Tentativa de diálogo com a ciência e autores seculares, buscando suas verdades, e comparando com a Palavra de Deus, mas entendendo que a ciência tem erros.
– Sua busca pela qualidade, beleza e utilidade do conteúdo educativo.
– Inúmeros bons conselhos baseados na Bíblia e no senso comum.
– Ter elaborado uma das poucas filosofias educacionais que se propõe a ser cristã em suas bases.
Pedras de Tropeço
Por outro lado, como nenhum autor humano é perfeito, os críticos de Charlote Mason também tem identificado pontos errados e perigosos na sua filosofia, do ponto de vista cristão: alguns de proposição, outros de omissão, outros de implicação, outros passivos de distorção. Apesar de Charlote Mason ter sido cristã anglicana devota, podemos identificar alguns problemas doutrinários que podem ser remetidos à tendências erradas da igreja anglicana de seu tempo. E, ao lermos sua obra, precisamos estar atentos a esses erros e perigos:
– Otimismo quanto à natureza infantil: Charlote Mason ora afirma que a criança nasce sem vícios nem virtudes e ora parece se contradizer ao afirmar o pecado original e a hereditariedade dos vícios. Mas parece prevalecer uma visão da criança um tanto mais otimista do que a Bíblia ensina. Isso se revela, em sua filosofia, numa confiança talvez exagerada na curiosidade natural e desejo de aprender da criança, no centrar demais na criança e no que ela quer aprender e pode obter por si mesma, e numa valorização determinante do papel dos hábitos na educação.
– Otimismo social prevalecente em sua época: Mason viveu numa era de paz e prosperidade na Europa em que se achava que a raça humana estava avançando não apenas na ciência e tecnologia, mas também moral e socialmente, inclusive por conta da popularização da teoria da evolução, ou por teorias políticas que viam o Estado como salvador. Por isso o leitor deve estar atento quando ela parecer sugerir que a educação é responsabilidade pública ou deve servir o Estado, ou que o propósito da educação é o avanço da raça humana.
– Visão de Salvação Errada: Relacionado a isso, alguns críticos sugerem que Charlote Mason tinha uma visão errada da salvação, mais próxima do pelagianismo do que da ortodoxia reformada, ao afirmar que a criança é o que existe de mais inocente, que ela não nasce boa ou má, mas com possibilidades para o bem ou mal. Apesar de afirmar o pecado original, em vários momentos seus escritos parecem negar o pecado original e a corrupção total do ser humano e da criação. Declarações como: “Vivemos num mundo redimido” são difíceis de explicar. Sim, vivemos num mundo redimível graças a obra de Cristo, e que será redimido perfeitamente no futuro mas, a nível pessoal, não fica claro se ela está pressupondo que a criança é inocente ou se ela está tratando de filhos de crentes e os considerando como crianças redimidas.Vale lembrar que uma das áreas em que a reforma anglicana ficou aquém dos outros ramos da reforma protestante foi exatamente a idéia de que a depravação total não atingiu a razão e o ser humano por completo. E por isso Mason parece propor que essas áreas são reformáveis por outros meios (hábitos, leis, governos, etc.,) que não pelo sangue de Cristo.
– Depreciação de Instrução Oral: Outro perigo que encontramos é a possível depreciação do papel de instrução oral direta dos pais e mestres, que em vários momentos perdem o papel prescritivo, de ensinar verdades oralmente. Várias vezes ela sugere que a mãe deve preferir o silêncio ao sermão, ou que as idéias devem ser apresentadas às crianças sem maiores explicações. A Bíblia como um todo não concorda com essa postura; pelo contrário, somos constantementes chamados a ouvir os mandamentos (Deuteronômio), a dar atenção à instrução dos pais e dos sábios (Provérbios), a ouvir sermões, advertências, explicações e aplicações, a exemplo do que vemos nas cartas do Novo Testamento. À acusação de que ela estaria propondo uma educação guiada pela criança, Mason diria que não era tanto dirigida pela criança, nem pelo professor, mas pelo Espírito Santo. Há um aspecto de verdade nessa afirmação. Mas o Espirito sempre usa as verdades da Palavra em sua instrução.
– Disciplina fraca. Quando a srta. Mason fala de disciplina, normalmente é no sentido positivo, de ensinar hábitos, educar a vontade e dirigir a criança indiretamente, e parece não considerar tão necessária a vara e a disciplina corretiva, indo aqui de encontro a mandamentos bíblicos tão claros. Não sei se podemos traçar diretamente a Charlote Mason a tendência atual de alguns pais cristãos de evitar a disciplina física por meio da distração ou substituição, a chamada Disciplina Positiva. Sabemos que pais sábios irão utilizar, em alguns momentos, de recursos como a distração, especialmente com crianças pequenas, ou de evitação de confronto em certos momentos e dependendo da disposição de cada crianca, mas a Bíblia deixa claro a necessidade de disciplina corretiva ao afirmar que “a estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela” (Pv 22:15).
– Romanticismo. Não há como deixar de notar no pensamento de Mason a influência do romanticismo de seu tempo, com seu otimismo e naturalismo, e que trouxe à tona as limitações da razão e a elevação do papel dos sentidos, sentimentos, relacionamentos e atmosfera na educação. Não podemos aceitar essas noções otimistas e anti-bíblicas.
– Naturalismo. Mason tem (com razão) sido louvada por falar da necessidade que a criança tem de estar em contato com a natureza, pelo resgate do estudo da criação de Deus, e por propor métodos úteis como passeios e cadernos de estudo da natureza. Mas cuidado é necessário quando Mason parece quase reverenciar a Natureza como educadora em detrimento do papel dos pais. Não que não concordemos que a natureza de fato tem muito a nos ensinar e revelar até sobre Deus; mas o perigo está na sua visão de que as crianças devem ser “deixadas” ao máximo expostas à natureza, de que não se deve suplementar ou guiar as crianças nesses momentos, de que os pais não devem falar muito, nem se envolver, nem atrapalhar essa “comunhão” com a natureza, mas que a criança deve ser deixada com a “mãe natureza” para aprender dela. Hoje compreendemos melhor o mito do ‘bom selvagem” (se fosse verdadeiro, os índios seriam as pessoas mais eruditas por estarem em contato constante com a natureza) e lembramos também que foi no Jardim do Éden que o pecado entrou no mundo.
– Behaviorismo. Uma outra área em que Mason se destaca é em sua ênfase e método no ensino de bons hábitos, morais e intelectuais. Mas este mesmo ponto pode se constituir numa pedra de tropeço quando focamos apenas nos hábitos externos e nos esquecemos de tratar o coração. Sua busca de moldar o caráter das crianças pela formação de hábitos parece negar a necessidade e o poder do Salvador e do novo nascimento. Por outro lado, a Srta. Mason parece ter uma visão determinista (ter pouca esperança) de crianças que não foram treinadas em bons hábitos. Mas sabemos que bons hábitos, embora ajudem a frear os pecados dos ímpios e a santificação do crente, não anulam os efeitos do pecado nem podem salvar a alma. Somente o poder de Cristo e uma natureza regenerada produz santificação verdadeira.
– Como a senhorita Mason buscava ler com boa mente os principais autores de seu tempo, precisamos ter cuidado também com possíveis influências evolucionistas de Darwin, quem ela considera uma “grande mente” (embora lembremos que o evolucionismo de sua época não era ateísta mas seus principais cientistas vinham de dentro da igreja e estavam investigando possibilidade de conciliá-lo com o relato de Gênesis). Essa postura de reinterpretar a Bíblia para acomodar teorias científicas iria se provar trágica para a fé cristã, mas Mason não viveu para ver a terrível consequência da secularização da ciência.
– Possíveis influências comunistas. Mason criticou o manifesto comunista, mas afirmou que a família é uma comuna. Parecia estar aberta à ideia de educar o cidadão para o Estado, e em vários momentos ela mesma parecia um tanto utópica em suas ideias educacionais. Mas aqui também ela não viveu para ver a total inconsistência do socialismo com a visão cristã e os resultados terríveis de sua implementação.
Assim, quanto a esses pontos mencionados acima, parece claro que, se ela de fato os ensina, eles são contrários à palavra de Deus e devem ser rejeitados. No fundo, parece que todos emanam de um problema principal: a não-compreensão da doutrina reformada da depravação total. E esse entendimento errado levou ao otimismo pessoal e social, à possibilidade de redenção social sem a ênfase na obra divina, a uma esperança indevida na razão, na ciência, etc. e certamente terá ramificações educacionais erradas.
Finalmente, devemos ter cuidado com o que Mason não disse, com a falta de ênfase em outras doutrinas cristãs e reformadas; por exemplo, ela não expande sobre as consequências educacionais da soberania, do ser e obras de Deus, da Providência, da doutrina do Pacto, e da necessidade da obra redentora de Cristo, da ação santificadora do Espírito Santo, do uso dos meios de graça e da luta contra o pecado. Para mim isso foi o que mais me incomodou nos seus escritos e me fez perceber, por mais útil que nos seja o legado de Mason, a necessidade que ainda temos de uma filosofia educacional distintamente cristã e reformada.
Pedras que Podem ser Tiradas do Caminho
Contudo, há cristãos que defendem arduamente que não podemos seguir Charlotte Mason devido não somente aos erros mencionados acima, mas por levantarem ainda outras críticas e objeções ao uso de seu método, as quais mencionaremos a seguir, mas que consideramos infundadas ou que podem ser explicadas ou abrandadas para que façamos justiça a essa educadora. As objeções abaixo são como “pedras” que podemos e devemos tirar do meio do caminho, e que em si não impedem que Mason seja utilizada por cristãos.
1) Objeção: Ela não foi mãe. Resposta: De fato, Charlotte Mason nunca casou nem teve filhos, embora tenha trabalhado a vida inteira com crianças, professores e pais. Mas essa objeção não necessariamente a desqualifica. Não queremos cair na falácia ad homini de atacar a pessoa e não a questão em si. Ela não tem a experiência de ser mãe, mas por outro lado, ganha a isenção. Um dos livros mais profundos que já li sobre o casamento foi escrito por um cristão quando era solteiro e recém-casado.
2) Objeção: Não podemos segui-la pois ela seguiu Rousseau, o Marxismo Cultural, o Dawinismo e outros autores seculares. Resposta: Ela buscava ler criticamente os autores de seu tempo, como Rousseau, por exemplo, a quem ela agradece por pregar a saída das crianças da escola e da sociedade e sua volta para casa e a responsabilidade dos pais pela sua educação, mas critica a sua fraqueza dizendo que ofereceu apenas palha para os construtores. Ela também estudou magistério em escola com forte influência de Pestalozzi, de onde provavelmente aprendeu a idéia de que a criança é potencialmente fértil, que não acreditava em julgamentos (notas) e na disciplina externa. Quanto ao evolucionismo, ela lia muito sobre as descobertas do seu tempo e se preocupava com o relacionamento fé-ciência, principalmente em preservar a fé ao reverenciar a Bíblia como fonte de toda verdade, mas sem ser obscurantista e sabendo que a ciencia é falível. Mas na sua época a evolução não era vista como acaso ou ateísmo, mas como um mecanismo como Deus haveria feito o mundo. Teólogos anglicanos estavam tentando conciliar a ciência evolucionista com o relato de Gênesis, e Mason chegou a admitir a possibilidade do relato de Gênesis 1-3 não ser literal. (Lembramos que, mesmo hoje, há teólogos reformados que rejeitam o evolucionismo mas admitem a possibilidade linguística de diferentes interpretações para os primeiros versos de Gênesis, como a Teoria do Gap). Como lição, vimos Charlotte Mason no dilema de dialogar com o pensamento moderno: ela tentou lutar contra erros, mas foi influenciada e acabou absorvendo erros da ciência e as distorções ou “-ismos” da filosofia e dos autores seculares. Isso nos mostra que cristãos devotos tambem erram, abraçam e até propagam influências erradas. Mas não queremos condená-la categoricamente nem dizer que, por causa disso, todo seu pensamento deva ser rejeitado, porque nós também estamos passíveis a todo momento de cair no mesmo perigo, ao assistirmos TV, lermos livros e revistas, seguirmos sites e instagrams de pessoas que são, como todas as demais, falíveis.
3) Objeção: A proposta educacional de Mason é fraca demais. Resposta: talvez para os padrãos clássicos de seus dias, mas não para hoje. Você pode ver no amblesideonline as listas de habilidades e conhecimentos esperados para as idades entre 6-12 anos e ficará surpreendido com a profundidade do currículo.
4) Objeção: Ela era contra a educação clássica. Resposta: Já vimos que em alguns aspectos Mason buscou não derrubar, mas reformar a educação clássica, adaptando-a aos seus dias, diminuindo sua rigidez de horário e métodos; de fato vemos nela muitas ênfases do educador cristão Comênio, e sugerimos que o próprio cristianismo pede a ênfase no amor, na misericórdia, nos relacionamentos, na família, no estudo da natureza, etc., ênfases um tanto ausentes da educação puramente clássica.Objeção: Charlotte Mason representa um perigo por se apresentar como cristã mas introduzir erros. Resposta: Esse perigo é real, mas o é especialmente:
A) para quem a lê sem formação teológica e mente crítica. Mas lembremos que o mesmo acontece com todos os outros autores humanos. Pelo menos Mason diz logo no início o que ela crê. O perigo maior está no que ela deixou de dizer. E famílias e professores que não tem boa base teológica? Como vão analisar o que é bom em um método que claramente tem coisas ruins? A solução aqui não é deixar de ler a Charlotte Mason, e sim buscar um bom conhecimento teológico. Pois todo cristão é chamado a fazer esse crivo o tempo todo. Se você não pode ler Mason, você também nao pode ler livros cristãos nem seguir autores cristãos, pois todos estão passíveis de erros. Por isso que somos chamados a estudar a palavra, a usar toda a armadura de Deus, e a orar por sabedoria para julgar todas as coisas e reter o que é bom.
B) se Charlote Mason tivesse a intenção de perverter e afastar da verdade- sim, ler autores que tem a intenção velada de nos afastar de Deus e da verdade é perigoso; não é proibido lê-los, mas isso é tarefa para os crentes mais maduros e equipados teologicamente, e pode ser proveitoso nem que seja para corroborar nosso entendimento da verdade ou nos ajudar a ver as consequências do erro. Mas esse não parece ser o caso. Mason parecia seguir a ortodoxia da Igreja Anglicana de seu tempo e buscava sinceramente aplicar seu entendimento da fé cristã à sua vida e educação. Mas pode-se objetar que, mesmo que o erro seja “sem querer”, ainda é perigoso. Sim. Por isso que somos chamados a ter discernimento para identificar a verdade e o erro. Pelo menos ela fala logo no início o que ela crê e dá explicações claras sobre sua posição. Mas há incoerências na sua filosofia com a fé cristã: sim, da mesma forma que é incoerente ser um cristão socialista hoje e ainda assim nossas igrejas estão cheias deles. Assim como esses irmãos, Charlote não entendeu completamente e não viveu para ver as incoerências de ser, por exemplo, um cristão evolucionista ou socialista.
C) para os que a seguem cegamente – quase que como uma seita – e rejeitam qualquer outra abordagem. Seguir uma filosofia educacional ou currículo de olhos fechados é sempre um perigo real, porque as filosofias são formulações humanas e portanto sempre passíveis de erro. Não devemos “seguir” completamente ninguém, senão Cristo. E acredito que esse seja um bom lembrete para os discípulos de Cristo em nossos dias de mídias sociais em que todos estão em busca de “seguidores”. E não importa se você segue fanaticamente Mason, os clássicos, ou qualquer personalidade ou currículo cristão; não devemos permitir que mandamentos humanos invalidem os mandamentos divinos, dividam o povo de Deus e enfraqueçam a causa do seu reino. E, no final das contas, a própria pessoa fechada sai perdendo, pois não é enriquecida, não aprende com outros cristãos.
5) Objeção: Se Mason tem erros, sua pedagogia não contribui em nada para a Filosofia cristã. Resposta: Discordo. Na proporção em que sua filosofia reflete a verdade bíblica, ela tem avanços e pode ser utilizada. Engana-se quem pensa que a solução seria usar só autores cristãos-reformados – pois eles também erram. Eles são poucos; às vezes são fracos. O mandato cultural não foi dado só aos crentes.
6) Objeção: Se as coisas boas/verdadeiras da Charlote Mason estão na Bíblia, então eu não preciso dela. Resposta: Concordo que não “precisamos” de Mason para educar nossos filhos no temor do Senhor, assim como não “precisamos” da educação clássica, nem mesmo de cadernos, internet ou impressoras. Mas estes métodos e ferramentas podem nos ajudar. É verdade que a Bíblia é nossa única regra de fé e prática, mas ela não é um compêndio ou currículo educacional. As formulações e sugestões curriculares de Mason não estão na Bíblia; são aplicações educacionais de muitas doutrinas e princípios bíblicos, e o seu trabalho e experiência podem ajudar mães e educadores que gostam desse estilo. Se Deus permite que filosofias educacionais e aparatos tecnológicos se desenvolvam, não é errado fazermos uso deles na medida em que concordam e contribuem com os propósitos cristãos. É orgulho não querer aprender com outros e tolhice rejeitar coisas boas que estão à nossa disposição para nos auxiliar.
7) Objeção: Não temos resultados comprovados, não conhecemos pessoas formadas pelo método de Charlote Mason, como temos com a educação clássica e tradicional. Resposta: De fato, isso acontece com todos os experimentos educacionais modernos, ou mais localizados; para vermos resultados, temos que esperar pelo menos uma geração. Mas vale lembrar que a educação clássica como praticada hoje segundo as linhas traçadas por Sayers, Bauer e Bluedorns também é um experimento relativamente recente e difícil de ser medido em termos de resultados. Sugiro que essa seria uma área interessante para pesquisa: Qual o perfil e atuação das pessoas formadas nas escolas de Mason, e nas escolas clássicas atuais.
Essa Casinha pode ser usada pela Educação Cristã?
A pergunta que tenho ouvido de várias famílias e educadores é: é possível ser reformado e usar o currículo da Charlote Mason? Se sim, sob que condições? Como solucionar a questão dos erros e perigos?
– Sim, podemos usar muito da filosofia e do currículo de Charlotte Mason. Por causa da graça comum, Deus revela verdades até aos ímpios. Os próprios puritanos afirmavam que é possível, com boa mente, fazer uso de qualquer autor humano. Podemos aprender com outros autores nem que seja como advertência contra mal exemplo, como o apóstolo Paulo cita um ditado dos próprios cretenses como exemplo negativo, mas útil em sua argumentação. Podemos usar idéias descobertas pelos pagãos, desde que como servas, não senhoras da nossa filosofia e prática educacional. Não precisamos rejeitar todo o pensamento de alguém pelos erros que cometeu, mesmo que sejam reais e sérios. Se assim fosse, jamais poderíamos ler qualquer autor clássico, nem mesmo teólogos cristãos porque eles erraram em algum ponto. Pais maduros e com teologia correta vão saber identificar os erros e perigos e reter o que é bom, aproveitando, como os Bluedorns, o melhor de Charlotte Mason. Tenho visto isso acontecer.
– Sim, é possível usar Charlotte Mason e outros autores se partimos dos princípios bíblicos, como os de que: 1) a educação cristã tem que pôr a criança face a face com Deus; 2) tem que ensinar sobre a criação, o homem, a queda e seus efeitos, os feitos de Deus, a salvação em Cristo somente; 3) tem que ensinar a ler e memorizar e entender a Bíblia, etc. Partindo desses e outros princípios bíblicos inegociáveis, podemos então tentar formular uma filosofia educacional e buscar os melhores métodos para a nossa situação peculiar, para nossas crianças individuais, para o nosso tempo e condição, etc. O ideal, claro, é que um educador cristão reformado capaz como Mason tivesse feito o que ela fez e elaborado uma filosofia e prática educacional mais bíblica e mais reformada que pudessemos seguir confiantemente. Contudo, não existe uma filosofia educacional/currículo cristão reformado pronto. Essa é uma área em construção. Temos teólogos e filósofos gerais, que pontuaram os princípios gerais de uma educação cristã (Ex. Calvino, Lutero, Kyper, Van Til), mas não elaboraram os detalhes. Temos muitos educadores cristãos que escreveram ensaios e propostas, em termos de princípios e práticas educacionais, desde os pais da igreja, passando por Melânchton, Comênio até, nos nossos dias, Gordon Glark, Van Brummelen, James Beeke e tantos outros que tâm dado contribuições educacionais, e eu mesma tentei resumir essas contribuições em minha dissertação Fundamentos Históricos e Filosóficos de uma Educação Bíblico-Reformada. Mas essa filosofia cristã não vai partir nem do Clássico nem da Charlotte Mason. Nenhum desses modelos é nosso padrão de princípios e de verdades, só a Bíblia. E ainda que tivessemos um consenso quanto aos princípios, cada escola ou família ainda teria que aplicar esses princípios ao seu tempo, realidade, idade, condição financeira, vocação, e estilo. Mas, partindo dos princípios bíblicos, é possível crivar e aprender muito da sabedoria e bom senso que Deus deu à sua serva Charlotte Mason, para que servisse à sua e à nossa geração.
– Sim, é possível usar o Método da Charlotte Mason se os pais ou educadores fizeram com a Charlotte Mason o que os Bluedorns fizeram com a educação clássica: um resgate, purificando dos erros, corrigindo-os e substituindo-os por ênfases corretas, e colocando suas verdades num arcabouço cristão-reformado. Alguém precisa apontar: Isso está errado, o que a Bíblia ensina é… Não leia tais obras… complemente com…, troque isso por aquilo, etc. Talvez isto esteja sendo feito em algum lugar. Minha impressão é que é mais fácil “redimir” (limpar dos erros e usar) a Charlotte Mason do que a educação clássica. Primeiro porque é mais fácil descobrir sua pedagogia e currículo, visto que está pronta e clara. Depois, porque é mais fácil trazer Mason que Platão, por exemplo, para os nossos dias, por ela estar mais perto de nós. Também é mais fácil conciliá-la com a fé cristã, já que construiu sobre um arcabouço cristão.
– Sim, é possível usar muito do pensamento de Charlotte Mason se você estiver disposto a ler e aprender de suas obras originais, não simplesmente de resumos ou passagens isoladas ou fora do contexto, nem mesmo de blogs de seus seguidores, que propagam mitos que levam a disputas e divisões desnecessárias. Só assim poderemos enxergar e corrigir os erros reais e aprender as verdades que ela descobriu sem distorções.
– Sim, é possível usar muitos insights de Mason se pudermos entendê-la no seu tempo e contexto, que pedia uma ênfase diferente do nosso. Numa época em que o ensino clássico havia se tornado pesado, intelectual e elitista, ela queria algo mais leve, mais interativo, mais eficiente. Mas a educação que ela propunha ainda é muito mais conteudista e clássica do que a de hoje. Hoje ela é criticada por ser muito “bookish” (tradicional, muito baseada em livros).
– Sim, é possível aproveitar muito do pensamento e do currículo de Mason, se soubermos não simplesmente copiar seus métodos, mas entender o porque de ela defender o que defendia, para assim podermos aplicar aos nossos dias. O mesmo vale, por exemplo, para a educação clássica. Devemos perguntar não somente “o que” os pensadores clássicos fizeram, mas “por quê”. Sempre dou esse exemplo: Eu não acredito que a essência da educação clássica esteja no aprendizado do Latim. Alguns pensam que é impossível oferecer um ensino clássico sem ensinar Latim. Mas os que pensam assim estão apenas copiando métodos sem se perguntar: Por que os antigos aprendiam Latim? Quem estuda um pouco da história da educação entende que é porque essa era a língua que dava acesso as principais obras clássicas, a língua universal do conhecimento na época. O equivalente disso hoje em nosso contexto é o Inglês. No futuro poderá ser outra língua. Este é apenas um exemplo de como é importante entender o porque das filosofias educacionais, em vez de simplesmente copiar e colar um método pronto de um educador antigo.
– Sim, é possível usar muito da filosofia de Mason se pudermos ver, pontuar e corrigir os seus erros, alguns de ênfase, alguns de omissão. E então propor uma solução com base na fé e nas doutrinas distintivas bíblico-reformadas. Exemplo:
- Doutrina da Depravação Total e de seus efeitos.A criança não nasce neutra, nem inocente. A queda afetou profundamente toda a criança, sua razão, vontade, sentimentos – daí a necessidade de disciplina corretiva.
- Doutrina da Salvação – Nem a mãe, nem a natureza, nem a atmosfera, nem hábitos vão salvar a criança. Só Cristo.
- Doutrina da Santificação- Caráter não é só questão de hábito (falar a verdade, auto-controle, altruísmo, ordem, etc.) Às vezes seis filhos recebem a mesma intrução, mas um mente e outro não, um tem mais dificuldade com auto-controle do que outro, e assim por diante. Os verdadeiros bons frutos que buscamos vêm de um coração regenerado, não de ensinamentos morais ou hábitos. Também a falha dos pais no ensino dos hábitos nao é determinista. Deus tudo pode, ele regenera até nossos hábitos.
- Enfatizar a raíz espiritual do ser humano – não há neutralidade.
- Substituir sua noção de “Idéias” pelo absoluto VERDADE.
- Quando ela fala no avanço da raça ou da humanidade, devemos corrigi-la, pensando no avanço do reino de Deus.
- Devemos buscar métodos bíblicos, não centrados na criança: Mason é contra liçoes, explicações e aplicações, sermões, mas aqui ela está errada. É verdade que não devemos cansar e irritar as crianças sem necessidade, mas o ensino direto e a aplicação é importante. É pela “loucura” e “cansaço” da pregação que Deus salva as pessoas, usando pregadores às vezes chatos, para nos transmitir a verdade salvífica da Bíblia. E quantas vezes a Bíblia nos manda inculcar, repetir, ensinar as sagradas letras desde a infância.
Continua na próxima postagem com a Conclusão e Apêndices- imperdível!