O momento atual para os homeschoolers no Brasil é decisivo e delicado e requer de nós muita sabedoria no trato das nossas diferenças. O fracasso das escolas públicas, a fraqueza acadêmica do ensino de muitas escolas particulares e os problemas da má socialização e da ideologização das escolas, aliados às novas possibilidades tecnológicas da internet e do acesso ao conhecimento, como a educação a distância, especialmente depois dessa “revolução” educacional mundial consequente do COVID-19; tudo isso tem feito o público em geral começar a ver o homeschooling como uma possibilidade educacional para a criança comum, e o movimento no Brasil tem crescido como nunca. As possibilidades de legalização e os benefícios acadêmicos e morais de sua extensão em nosso país são variados e expedientes. Mas, na mesma proporção, parecem crescer, de um lado, a oposição externa, especialmente da esquerda liberal cuja agenda é anti-Deus, e portanto, anti-humana, anti-família, e anti-conhecimento; e, de outro lado, uma séria ameaça interna. Refiro-me à falta de união e atitude beligerante entre os próprios homeschoolers, que é a ameaça mais perigosa, já que “uma casa dividida não pode subsistir”. Há discordâncias quanto a necessidade e escôpo da legalização, quanto a diferenças religiosas entre as famílias, e, mais recentemente, quanto ao modelo curricular a ser implementado.
Menu Oficial Versus Liberdade Educacional
A liberdade educacional trazida pela educação domiciliar é seu ponto mais forte e importante. A centralização e a uniformidade na educação de um país sempre foi degradante para o ser humano criado à imagem de Deus em sua diversidade e possibilidades. A “grade” curricular imposta pelo governo às escolas revela ser o que o próprio nome implica: uma prisão do conhecimento. Na tentativa socialista de garantir a todos uma educação básica, (vamos compará-la a uma cesta básica ou a uma moradia básica dessas que o governo constroi com centenas de casas idênticas), a solução governamental foi colocar todas as crianças dentro de celas fechadas onde certamente receberiam o básico para sobreviver academicamente. E na proporção em que este currículo único é implementado e imposto em um país, perde-se a liberdade educacional; e a verdadeira educação e a verdadeira cultura irão necessariamente declinar, como mostram as estatíticas educacionais atuais.
O homeschooling traz consigo a promessa dessa tão desejada liberdade intelectual. Mas nenhuma liberdade se mantém automaticamente; ela tem que ser garantida com suor e sangue. E não sei se um dia teremos que dar nosso sangue por ela, mas desde já vejo a necessidade de “suar”, e não menos aqui ao escrever esse artigo. Pois — acreditem — essa liberdade pode ser implodida pelas próprias famílias homeschoolers, quando essas se apegam a um método ou currículo e desejam elevá-lo e impô-lo, implícita ou explicitamente, como o melhor para todas as famílias. A comparação com a alimentação aqui me parece útil. Existem inúmeras correntes de pensamento em constante mudança na ciência da nutrição, e certamente existem alguns princípios básicos de uma boa alimentação que as mães e cozinheiras conscienciosas buscarão conhecer e implementar em suas mesas; mas, se em algum momento, algum governo, instituição ou nutricionista criar um menu oficial que deve ser usado por todas as famílias do Brasil ou do mundo, acabará a variedade, a riqueza, e o prazer da alimentação e da própria família, da própria humanidade. É verdade que muitas famílias, por falta de conhecimento ou condição financeira, não irão se alimentar otimamente; mas refeitórios e merendas nacionais obrigatórios não são a solução para esse problema, mas trarão problemas ainda maiores, como os problemas de saúde causados em sociedades cuja maioria das famílias come em restaurantes e em fast-food, todos aprovados pelo governo.
Os Desafios da Abundância de Menus Prontos
Mas para quem esteve tanto tempo atrás das grades, a liberdade e o equilíbrio educacional pode ser algo desafiador, e parece que temos visto isso no Brasil. Há poucos anos, não havia outros currículos senão o dos livros didáticos seculares que seguem a cartilha do MEC. Alguns pais homeschoolers continuaram a usar esses recursos, sempre buscando os melhores livros e desejando outras alternativas. Mas aos poucos a riqueza e variedade curricular existente em outros países foi chegando até nós: Ouvimos falar de currículos tradicionais cristãos; da educação clássica, da educação por princípios, e, graças ao trabalho de tradução e divulgação de algumas mães, ouvimos falar de uma educadora cristã do final do século 19 e início do século 20 chamada Charlotte Mason. Sedentos que estavam, os pais começaram a ler e a juntar com proveito migalhas de todos os lados. Mas logo o inimigo começou a semear o orgulho, a idolatria e a discórdia entre os homeschoolers, quando alguns começaram a defender seu método como o melhor e a criticar ou depreciar os demais.
Entendam-me: não estou defendendo uma postura liberal pós-moderna de que não há métodos melhores que outros, que não há críticas a se fazer, ou que não haja absolutos na filosofia e prática educacional. Há, sim, especialmente quando olhamos de um ponto de vista cristão. Mas Deus colocou sobre cada família individual a responsabilidade e o dever de alimentar, proteger e ensinar as crianças, e Deus dá graça (até de sua graça comum) para que as famílias obtenham o trabalho, o sustento, e possam alimentar seus filhos física e espiritualmente de maneira saudável. Se fôssemos levar todas as famílias brasileiras aos melhores nutricionistas, certamente a maioria seria avaliada como aquém do ideal, mas mesmo assim as famílias – especialmente as que têm mães que cozinham com amor – sobrevivem e crescem em geral saudáveis, porque Deus equipou nossos corpos para não depender completamente da alimentação ideal, e Ele mesmo é quem nos dá a vida e a saúde, apesar de maus hábitos alimentares. Assim também é Deus quem equipa nossos filhos a aprender e nos prepara para servirmos nossa geração com nossos estudos e trabalhos, apesar das falhas educacionais de nossas famílias e escolas. A liberdade aliada à responsabilidade sempre foi a melhor solução nessas áreas sociais, nunca a imposição externa de um modelo, trabalho, alimentação ou currículo. Uma extensão da doutrina protestante da soberania das esferas é que cada família e instituição também é soberana para descobrir e aplicar as leis de Deus na sua esfera, com consequências boas ou ruins conforme o fizerem.
Existe um Menu Ideal?
Assim defendemos que cada escola deveria ser responsável por elaborar seu currículo, e cada família também deveria ter essa soberania. É claro que, apesar de termos algumas intuições, nós, pais, não nascemos nutricionistas nem pedagogos. Mas temos o dever de pesquisar e buscar saber qual é a vontade do Senhor para nossa família, e o dever de nos certificar de que esses princípios são implementados em nosso lar. Certamente podemos pedir ajuda a especialistas ou a terceiros, seja contratando uma cozinheira e pesquisando receitas na internet, seja colocando nossos filhos em uma escola ou sob professores particulares, mas não devemos imaginar que não temos que conhecer e garantir que o que está sendo preparado ou ensinado esteja conforme o que entendemos ser os requisitos de Deus para uma alimentação ou educação saudável.
Esse chamado à responsabilidade dos pais e à necessidade de cada família buscar formular sua própria “filosofia” e prática alimentar ou educacional é uma ênfase cristã defendida com excelência pela educadora Charlote Mason e, já que a mencionei, tendo feito essa introdução, gostaria de fazer algumas considerações sobre duas das principais “escolas” educacionais cristãs que têm atraído e dividido os homeschoolers no Brasil: a proposta da Charlote Mason e a proposta da Educação Clássica, buscando sugerir qual seria uma abordagem equilibrada, menos bélica, e mais proveitosa, que os pais devem ter a esses e a tantos outros currículos que existem no mundo afora, e que ainda irão chegar ao nosso conhecimento.
Os Benefícios de uma Alimentação Educacional Equilibrada
O caminho do equilíbrio é sempre mais difícil, mas é o mais proveitoso. Assim como você encontrará os extremos das dietas “sem carboitrados x sem gorduras”, e poderá aprender com pesquisas que apontam os benefícios e malefícios desses macro-nutrientes, uma alimentação saudável é normalmente descrita como “balanceada”, e usará os melhores carboitratos e as melhores gorduras, numa proporção ideal que variará para cada pessoa, dependendo do seu metabolismo, faixa etária, condições de saúde, necessidade de emagrecer ou engordar, etc. Não é tão difícil examinar esses ingredientes e apontar seus benefícios e perigos. O dificil é ter uma postura de descobrir o que cada corrente afirma de verdadeiro e aproveitar o que é bom, e implementar essas verdades de maneira balanceada na vida de nossa família. Não é porque se descobriu que ovo é saudável que eu vou comer só ovo. Ou suco verde. Se você me disser que está apaixonada pelo método da Educação Clássica (ou da Charlote Mason, ou você preencha….) e que você acha que todos os homeschoolers cristãos deveriam segui-lo, eu teria que vir aqui para falar dos problemas e perigos de comer só ovo, ou só suco verde. Eu ficaria preocupada se as famílias começassem a criar antagonismos profundos por defenderem ardentemente uma dessas dietas. É claro que se um nutricionista maluco (ou esquerdista) prescrever uma dieta “só açucar refinado”, teríamos pouco ou nada que aproveitar dela; da mesma forma que se os ativistas liberais vierem criar um “currículo esquerdista ou de gênero”, (que é praticamente o que já temos na escola pública), teríamos que rejeitá-lo por completo. Mas existem dezenas de educadores, de métodos, e currículos — antigos e modernos, cristãos e seculares — que, se estivermos dispostos, podemos aprender sobre suas descobertas e implementá-las dentro dos princípios básicos que temos aprendido sobre uma alimentação educacional saudável.
A Responsabilidade do Educador Cristão
Alguns pais não querem ter esse trabalho. Eles contratam uma cozinheira e confiam em suas escolhas e apreciam suas comidas saborosas. Tranquilo para você! Mas um dia você pode descobrir que ela cozinhou com grande quantidade de óleos refinados e temperou com tantos ingredientes artificiais, que talvez essa alimentação tenha contriuído para o enfarto ou câncer de um membro querido de sua família. E a culpa não será primariamente dela, mas sua, por ter abdicado de sua responsabilidade nessa área que é primariamente da mãe e dona do lar. Currículos são como menus prontos, desses que você encontra nas revistas e na internet. Nutricionistas podem criar menus exemplares com listas de equivalências e substituições que as famílias podem com proveito adaptar e usar, mas existem nutricionistas bons e ruins, e de diversas correntes. Você nem poderá avaliá-los se não conhecer o básico sobre nutrição. Alguns pais terceirizam a educação, colocam seus filhos numa escola “cristã” ou adquirem e seguem à risca um currículo específico, e acham que esses professores educarão seus filhos perfeitamente. Paciência se eles pensam assim. Mas isso não acontece. A melhor educação que pudermos dar ainda estará longe de ser perfeita.
Se uma mãe crente deseja dar conscientemente uma boa alimentação para seus filhos, e não apenas continuar fazendo o que recebeu por tradição, ela terá que estudar e aprender sobre as diferentes dietas, ouvir os que os melhores médicos têm a dizer, adaptar suas descobertas ao bolso de sua família, e fazer o melhor que puder com a ajuda do Senhor. Isso é verdade tanto para a alimentação física como para a alimentação educacional (mental, moral e espiritual).
Continua… aguarde a próxima postagem.
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* Esse post é o primeiro de uma série de postagens em que trataremos da possibilidade de cristãos bíblicos adeptos da Educação Clássica usarem com proveito aspectos da metodologia da educadora Charlotte Mason na sua filosofia e prática educacional.