Segue um texto interessante sobre o fazer literário de um bom escritor. Creio que tanto o seu autor quanto as obras as quais ele se refere no decorrer deste trecho dispensam comentários ou introduções, certo? O texto foi extraído da obra “A Imaginação Cristã”, de Leland Ryken, da qual ainda pretendo extrair vários outros trechos, citações e postagens, se Deus permitir. Por enquanto, espero que estes pequenos excertos sejam de bom proveito para o leitor. Note que, quando C. S. Lewis fala no “Leão”, ele sempre começa a palavra referente a ele com letra maiúscula, representando, assim, não apenas o personagem do Leão na série de Nárnia, mas também todo o aspecto cristão que as permeia. Aproveite a breve leitura!
CRIANDO NÁRNIA – C. S. LEWIS
CRIANDO NÁRNIA – C. S. LEWIS
Algumas pessoas parecem pensar que eu comecei me perguntando como eu poderia dizer alguma coisa sobre o Cristianismo para crianças; então focalizei o conto de fadas como um instrumento; e então coletei informações sobre psicologia infantil e decidi para qual faixa etária eu iria escrever; e depois desenhei uma lista de verdades Cristãs básicas e martelei “alegorias” que as incorporassem. Isso tudo é pura bobagem. Eu não poderia escrever assim de modo algum. Tudo começou com imagens; um fauno carregando um guarda-chuva, uma rainha em um trenó, um magnífico leão. De início, não havia nada de Cristão neles; este elemento foi se intrometendo por si próprio. Ele fazia parte da borbulhação.
Então veio a Forma. À medida que estas imagens se foram se organizando em eventos (i.e., se transformaram em estória), elas não pareciam requerer interesse amoroso ou uma elaborada psicologia. Mas a Forma que exclui tais coisas é o conto de fadas. E no momento que eu pensei nisso, eu me apaixonei com a Forma em si mesma: a sua brevidade, a sua severa contenção nas descrições, o seu flexível tradicionalismo, a sua inflexível hostilidade a toda análise, digressão, reflexão e “gás”. Eu agora estava enamorado dela. A sua própria limitação de vocabulário tornou-se uma atração; assim como a dureza da pedra agrada o escultor, ou a dificuldade do soneto deleita o poeta.
Neste lado (como autor) eu escrevi contos de fadas porque o Conto de Fadas pareceu ser a Forma ideal para aquilo que eu tinha para dizer…
Todos os meus sete livros de Nárnia, e os meus três livros de ficção científica, começaram com imagens em minha cabeça. De início, elas não eram uma estória, apenas figuras. O Leão todo começou com a figura de um Fauno carregando um guarda-chuva, caminhando em uma floresta cheia de neve. Esta imagens havia estado em minha mente desde que eu tinha dezesseis anos. Até que um dia, quando eu estava com aproximadamente quarenta, eu disse a mim mesmo: “Vamos tentar fazer uma estória com isso.”
De início, eu tinha muito pouca ideia de como a estória prosseguiria. Mas então, de repente, Aslan veio saltando e a enlaçou. Eu acho que eu estava tendo muitos sonhos sobre leões naquela época. Fora isso, eu não sei de onde veio o Leão ou porque Ele veio. Mas da feita que Ele estava lá, Ele amarrou toda a estória junta, e logo Ele puxou as outras seis estórias de Nárnia após Ele.
Você vê, então, que em certo sentido, eu sei muito pouco sobre como esta estória nasceu. Isto é, eu não sei de onde vieram as imagens. E eu não creio que alguém saiba exatamente como se “inventa coisas”. A Invenção é algo muito misterioso. Quando você “tem uma ideia”, você poderia contar exatamente para alguém como que você pensou nisso?
De Outros Mundos. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1966. (In: Ryken, Leland, ed. The Christian Imagination. Colorado Springs: Showbrooks, 2002.)
Tradução: Anna Layse A. Davis.