Fundamentos Filosóficos da Educação Bíblico-Reformada – Apresentação e Introdução

Fundamentos Filosóficos de uma Educação Bíblico-Reformada
por Karis B. G. Anglada Davis.
Estarei disponibilizando neste blog a segunda parte da Dissertação “Fundamentos Históricos e Filosóficos de uma Educação Bíblico-Reformada”, numa versão condensada para leitura e impressão. O leitor que desejar usar ou citar parte deste trabalho pode fazê-lo, desde que indique os dados bibliográficos da obra, que se encontram logo a seguir. Incluí a introdução à obra completa, embora esteja reservando a primeira parte – histórica –  para outro momento. Os capítulos sobre os Fundamentos Filosóficos da Educação Bíblico Reformada serão os seguintes:
CAPÍTULO 5: O QUE É UMA FILOSOFIA DA EDUCAÇAO REFORMADA?
CAPÍTULO 6: A COSMOVISÃO BÍBLICO-REFORMADA
CAPÍTULO 7: EPISTEMOLOGIA REFORMADA
CAPÍTULO 8: ELEMENTOS DA EDUCAÇÃO REFORMADA
CAPÍTULO 9: A PERSPECTIVA BÍBLICA DOS CONTEÚDOS CURRICULARES
Ficha:
ANGLADA, Karis Beatriz Gueiros    
Fundamentos Históricos e Filosóficos de uma Educação Bíblico-Reformada/ Karis Beatriz Gueiros Anglada.       
300 f.
            Monografia (graduação) – Universidade do Estado do Pará. Centro de Ciências Sociais e Educação. Belém, 2004.              
Área de Concentração: Educação
            Orientador: Maria Betânia Barbosa Albuquerque.
1. Educação 2. Filosofia 3. Religião Cristã/Reformada

                                                 Toda a Escritura é inspirada por Deus

e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção, para a educação na justiça,
a fim de que o homem de Deus seja perfeito

e perfeitamente habilitado para toda boa obra

II Timóteo 3:16-17

 

RESUMO
O trabalho de pesquisa, que se divide em duas partes principais, apresenta e analisa os resultados históricos da Educação Reformada e provê os principais elementos de uma Filosofia da Educação Reformada. A primeira parte fornece um histórico da Educação Reformada, que remonta ao mestre maior dos cristãos, Jesus, e à educação cristã da Igreja Primitiva; tem como ápice o advento da Reforma Protestante no século XVI e a obra educativa dos reformadores, especialmente de Lutero e Calvino; e expandiu-se para além das fronteiras européias e para além daquele século, influenciando o pensamento educacional reformado até os dias atuais, especialmente nos países de origem protestante. A segunda parte apresenta as bases filosóficas e os pressupostos teológicos que caracterizam uma filosofia da educação reformada, e indica a sua relação com o mundo não-cristão. Busca-se ainda demonstrar como as bases teológicas e filosóficas aplicam-se a todas as áreas da Educação Reformada, da sua visão de mundo abrangente à perspectiva bíblica que orienta o ensino das disciplinas. Partindo da idéia de que não há neutralidade na educação e na pesquisa, a autora apresenta o assunto a partir de pressupostos bíblico-reformados e tem como objetivo demonstrar a relevância da fé reformada para o avanço da educação de um modo geral, e especialmente a sua contribuição para o pensamento educacional cristão e reformado.
Palavras-Chave: Educação Cristã-Reformada, História, Filosofia, Teologia, Pressupostos.
Dedicado a todos quantos batalham para a promoção
do Reino de Deus no Mundo

 

 

 

introdução

O termo “educação reformada”, que intitula esse trabalho, é quase desconhecido no contexto brasileiro. Esse desconhecimento se dá, em grande parte, pela origem e tradição católica do Brasil, que tem privilegiado a educação confessional católica e a educação pública secular.
Cabe, portanto, explicitar o sentido do termo educação “reformada”. Ele aponta para uma educação confessional cujos princípios religiosos remontam ao advento da Reforma Protestante do século XVI, que teve como bandeira o resgate da Bíblia como a Palavra de Deus e cujas conseqüências estenderam-se para muito além do campo especificamente religioso. O referencial teológico bíblico-reformado proveniente da Reforma tornou-se um corpo doutrinário consistente, definidor de uma visão de mundo específica, cujos princípios têm influenciado tanto o pensamento como a vida de pessoas em diversos países do mundo.
O pensamento reformado tem sido marcado por sua influência sobre todas as áreas da vida humana. Ouve-se falar numa ética protestante do trabalho, numa moral bíblica, na relação entre religião e ciência, na educação confessional, de modo que todos esses temas indicam como a religião, no caso a religião reformada, atinge outras esferas da vida humana, dentre as quais a educação é uma das mais importantes. De fato, logo que o pensamento reformado se desenvolveu, seus princípios religiosos se estenderam para diversas áreas, influenciando a política, a concepção de trabalho, de família, e, especialmente, a educação dos jovens. Foi com base nos princípios cristãos e reformados que foram criadas renomadas instituições de ensino nos países protestantes, como Cambridge, Harvard e Oxford.
 Além disso, é bastante conhecida da história da Educação a revolução educacional imprimida a partir da Reforma Protestante e por causa dela. O historiador da educação Thomas R. Giles reconhece que:
A fundamental posição teológica de Lutero, a saber, que a salvação vem tão somente pela fé na pessoa de Jesus Cristo, sem o intermédio da Igreja ou dos sacramentos, terá repercussões muito além do campo especificamente religioso. Todo o processo educativo da Europa assumirá outras feições com base nessa posição e suas conseqüências. (…) A tradução que Lutero faz do Novo Testamento para o vernáculo alemão (…) é um fato de repercussões incalculáveis na história religiosa dos Estados germânicos, e também serve de base para todo um processo de alfabetização publica. (1987, p. 119)
Não obstante, pouco se conhece sobre a doutrina e sobre a fé reformada no Brasil. O protestantismo adentrou no Brasil muito tardiamente em relação à sua colonização, visto que as primeiras tentativas de colonização protestante na Guanabara, pelos hugüenotes, e em Pernambuco, com os holandeses, foram combatidas e esses grupos foram mortos ou expulsos do Brasil. Somente no último século as doutrinas e confissões de fé reformadas passaram a ser pregadas no Brasil através da obra de missionários holandeses, ingleses e norte-americanos.
A Igreja Presbiteriana a que a autora pertence é uma denominação que provém diretamente da Reforma escocesa, e esta denominação é uma das que tem resgatado, pelo menos em alguns púlpitos brasileiros, as principais doutrinas reformadas, como as da autoridade e suficiência das Escrituras, da salvação pela graça de Deus mediante a fé, da soberania de Deus e da corrupção da natureza humana.
O interesse pela fé reformada tem levado a uma busca, por parte dos crentes reformados, de se conhecer e divulgar os fundamentos e os resultados da doutrina protestante, que se mostraram abrangentes e profundos em países protestantes. Livros e periódicos reformados têm sido editados e divulgados no Brasil num sentido ascendente[1]. No entanto, essa divulgação ainda é restrita a poucos, mesmo entre os que fazem parte de igrejas evangélicas no Brasil.
Na educação e na pedagogia brasileira não seria um exagero dizer que a influência reformada é praticamente nula. No decorrer dos quatro anos do Curso de Pedagogia que a autora agora conclui, esteve-se buscando livros, explicações ou documentos que esclarecessem sobre a influência da reforma na educação, fossem nas aulas ou na Biblioteca da Universidade do Estado do Pará-UEPA, mas o maior contato com o tema se deu na disciplina História da Educação, em que a educação reformada mereceu uma breve exposição, além de uma rápida menção da Didática Magna de Comênio, educador reformado. Além desses momentos, o conteúdo do ensino ministrado foi de caráter principalmente humanista, marxista, racionalista e relativista, não raro tendendo a depreciar a posição cristã e reformada como obscurantista e fundamentalista.
Foi, portanto, devido a essas distorções em voga sobre a educação reformada que clamam por um tratamento mais justo, devido à carência de material bibliográfico reformado, aliado à formação reformada da autora num lar e numa escola cristã presbiteriana[2] em Belém-PA, onde atualmente leciona e investiga seus progressos e dificuldades como caso de estudo, que o interesse inicial se transformou em uma necessidade pungente de pesquisar sobre a educação reformada num Trabalho de Conclusão de Curso.
A idéia inicial foi, então, fazer uma pesquisa em duas direções. Para suprir a falta de material bibliográfico, deveria ser realizada uma pesquisa bibliográfica e documental, com a finalidade de se estabelecer os principais conceitos e os fundamentos teóricos, filosóficos e teológicos dessa educação. Um segundo momento seria a observação e aplicação dessa teoria à realidade da escola protestante em questão, o Centro de Estudos John Knox, que serviria como um caso de estudo.
No decorrer da pesquisa bibliográfica, entretanto, enfrentou-se muita dificuldade na obtenção e na sistematização dos fundamentos teóricos da educação reformada, e constatou-se que o material produzido no Brasil sobre o assunto não excedia alguns poucos artigos em publicações especializadas. Recorreu-se, então, à literatura estrangeira de língua inglesa, e, com o auxílio de cooperadores no Brasil e no exterior, foi possível ter acesso a uma quantidade razoável de livros, artigos, publicações e documentos diversos que expunham uma filosofia da educação reformada, e tratavam da escola reformada, de sugestões e modelos de currículo para esta escola, e de outros assuntos pertinentes à teoria educacional reformada.
Esses livros e documentos adquiridos foram lidos, estudados, fichados e, dentre os temas tratados, foram escolhidos alguns que pareceram mais relevantes ao contexto em questão, e a partir daí, esses temas foram mais profundamente investigados e pensados. Foi necessário em alguns momentos, fazer um estudo pioneiro sobre determinados assuntos, no que diz respeito à aplicação das doutrinas e da cosmovisão reformada à teoria e prática educacional. A esta altura, já ficara claro que não se poderia partir para um estudo aplicado sem que este fosse bem-fundamentado numa teoria educacional consistente, e já que essa teoria ou filosofia da educação não existia como tal na língua portuguesa, pareceu ser exatamente esta a necessidade primeira, qual seja, sistematizar os fundamentos teóricos da educação reformada, que são de natureza histórica, teológica e filosófica. 
O propósito deste trabalho é estudar e apresentar os fundamentos históricos e filosóficos da educação reformada a partir de uma perspectiva reformada, em forma de trabalho acadêmico sério e com o caráter apologético, de uma defesa.
O fato deste trabalho ter sido realizado sob uma perspectiva reformada não deve comprometer a validade da pesquisa. O trabalho acadêmico deve ser desenvolvido com competência e justiça, procurando ser o mais fiel possível aos fatos e colocando os diversos pontos de vista existentes, discutindo com autores de ideologia diferente, o que também se buscou fazer. Mas recorre-se à discutida constatação do “mito da neutralidade científica”, e ao relativismo e pluralismo do mundo pós-moderno, para afirmar que todo pesquisador tem sua própria visão de mundo e sua pesquisa, postura e obra inevitavelmente refletem seus pressupostos[3]. O pós-modernismo aceita a existência das verdades individuais e sua defesa. Gene Edward Veith (1999) insiste no sentido de que, no contexto atual, “os grupos precisam capacitar-se para sustentar seus próprios valores e assumir seu lugar com as outras espécies do planeta” (p. 51). O pensamento atual, portanto, sustenta a posição reformada na medida em que permite que os reformados, assim como os demais grupos, afirmem seus valores próprios e os defendam dentro de um contexto plural.
André Biéler, autor da obra clássica: O Pensamento Econômico e Social de Calvino, escreveu em seu livro A Força Oculta dos Protestantes que: “toda religião induz a uma política; toda política oculta uma crença”. Parafraseando este autor, pode-se estabelecer a relação fundamental entre a religião e a educação: “toda religião induz a uma educação e toda educação oculta uma crença”. Se, de fato, toda educação induz e oculta uma religião, este trabalho visa explicitar quais os pressupostos religiosos reformados que fundamentam a educação reformada e a própria pesquisa da autora.
Dentre os principais pressupostos reformados estão a crença na existência do Deus bíblico, que se revela aos homens na obra da criação, na sua Palavra escrita e na pessoa de seu Filho, Jesus Cristo; o entendimento de que o homem é um ser criado à imagem de Deus, mas teve essa imagem profundamente afetada com a queda, de modo que possui uma natureza essencialmente pecaminosa e corrompida; e aceitação de que a Bíblia é a única regra autoritativa de fé e prática.
Com base nesses argumentos e pressupostos, o trabalho tem a função de demonstrar como a fé e a educação reformada sempre estiveram atreladas e impulsionaram-se mutuamente, de maneira que os princípios reformados fornecem um consistente fundamento e fim para a  educação.
Isso será feito, na primeira parte do trabalho, com argumentos históricos, mostrando como desde o surgimento do cristianismo, a educação esteve associada ao crescimento da fé cristã, que ganhou redobrado ânimo com a Reforma e teve um desenvolvimento notável nos países protestantes até a atualidade. O apanhado histórico revela que a fé reformada sempre deu grande valor, importância e impulso à educação, tanto como meio de promover a fé e o reino de Deus, como para o bem geral do mundo por meio da formação de cidadãos capacitados, sábios e firmados nos princípios bíblicos que influenciam a própria moral da sociedade de modo geral.
A segunda parte dedica-se a explicitar como a fé reformada com seus pressupostos teológicos fornece a base de uma completa Filosofia da Educação Bíblico-Reformada, que abrange a visão de mundo e de homem bíblica, a definição, a origem, os propósitos e as marcas da educação reformada, os princípios de uma epistemologia distintamente reformada, e a sua relação com o currículo de uma escola reformada e com outros temas mais práticos.
Assim, o objetivo final dessa pesquisa é a produção de um material de fundamentação teórica da Educação Reformada a partir do resgate e investigação dos seus princípios e implicações, dando ensejo a que outros estudantes e pesquisadores protestantes prossigam na tarefa de desenvolver aspectos mais práticos da questão.


[1] Editoras como a Fiel, a PES, a Cultura Cristã, a Casa Editora Presbiteriana, a Editora Os Puritanos, são algumas das editoras que têm se empenhado na promoção de literatura reformada.
[2] O Centro de Estudos John Knox, antiga Escolinha Arca de Noé, é uma instituição confessional ligada à Igreja Prebiteriana Central do Pará que, ao longo de seus mais de 15 anos de existência, tem buscado se firmar como uma escola genuinamente reformada em suas teorias e práticas, e tem alcançado progressos em termo de reconhecimento da qualidade educacional e da importância dos valores e práticas ali desenvolvidos, como a disciplina, mas não sem muita dificuldade
[3] Paulo Anglada (2003) afirma que “nenhuma disciplina ou pesquisa está livre da influência de pontos de vista culturais, filosóficos e teológicos, da parte do pesquisador – tampouco são essas influências necessariamente indesejáveis” (p. 281), e cita Gadamer, pensador pós-modernista e defensor do método histórico de interpretação, o qual reconhece que: “mesmo um mestre do método histórico não é capaz de permanecer completamente livre dos preconceitos de seu tempo, seu ambiente social, sua posição nacional.” (Idem), tese também defendida por Thomas Kuhn e Francis Shaeffer.
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5 comentários em “Fundamentos Filosóficos da Educação Bíblico-Reformada – Apresentação e Introdução

  1. Olá, irmã,
    Peço mil desculpas pela demora em responder o seu pedido. O comentário de alguma forma passou despercebido por tanto tempo e somente agora vi o seu pedido. Sim, sem dúvida posso lhe enviar o TCC na íntegra. Envie-me o seu e-mail aqui mesmo ou mande um recado para o meu email, que é karisanglada@yahoo.com e lhe enviarei um arquivo com a Monografia. Também, se preferir, estou disponibilizando agora também a primeira parte histórica do TCC neste blog; o capítulo 1 já está disponível. Espero que pela graça de Deus esse material seja de alguma forma útil à sua formação.

    Um abraço,
    Karis

  2. Parabens pelo blog. Foco, publico-alvo e conteudo. Muito bom.
    Procurei a mono inteira no site da UFPA, mas foi em vão. Também me interessei pelo trabalho na integra, mas entendo que pode haver restrições de publicação (futura edição em livros, revisões, etc.), ou as vezes a Ifes não é flexível para oferta on line. Enviei um mail no endereço indicado e agradeço se puder enviar o texto completo.

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