CAPÍTULO 7: O Mandamento e o Propósito Bíblico da Educação


Nota de Introdução:

Em nossa busca por uma Filosofia da Educação Reformada, temos visto que o nosso ponto de partida não pode ser o pensamento secular (nem por meio de síntese, nem tentando uma co-existência pacífica) [Capítulo5], mas que devemos construir desde o princípio sobre fundamentos distintamente reformados, dentre os quais destacamos os pressupostos sobre a Bíblia, sobre a Pessoa e as Obras de Deus, e sobre os Estados da Pessoa Humana como três eixos principais que delineiam o nosso ideal educacional [Capítulo 6] Neste capítulo, indagaremos sobre o que a Bíblia tem a dizer a respeito da própria razão de ser da educação, buscando responder as perguntas básicas: “Por que educar?” e “Para quê educar?”

 

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DE UMA EDUCAÇÃO BÍBLICO REFORMADA 

CAPÍTULO 7

O MANDAMENTO E O PROPÓSITO BÍBLICO DA EDUCAÇÃO

 

7.1 AEducação como Mandamento Bíblico

 

Por que educar? A educação é algo legítimo ou necessário, biblicamente? Parece que essa deve ser a primeira questão a ser indagada e respondida quando se busca uma filosofia da Educação Reformada. 

Essas questões devem ser respondidas partindo do ensino bíblico sobre o assunto. Isso será feito a partir de três idéias: (1) Que a educação dos homens, de uma maneira geral, foi ordenada por Deus desde a criação do homem no que se entende como o mandato da criação. (2) Que a Bíblia ordena especificamente a educação dos jovens, estabelecendo o conteúdo dessa educação e (3) Que a Bíblia deixa claro quem são os responsáveis por esta nobre tarefa.

 

7.1.1 A Educação como Mandamento da Criação

 

O primeiro ensino bíblico destacado se refere às motivações e razões para a educação, a partir do entendimento de que ela é uma das implicações ou cumprimento do mandamento divino da criação. Quando Deus criou o homem, Ele, logo em seguida, lhe deu uma ordem e um mandamento, que visava orientá-lo em sua relação com a criação de maneira que esta relação se desse de conformidade com a vontade de Deus para o mundo que havia acabado de criar. Encontramos esse mandamento no livro de Gênesis, capítulo 1, verso 28: “E Deus os abençoou e lhes disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todo animal que rasteja pela terra”.

Encontra-se nesse verso um mandamento que inclui tanto privilégios como responsabilidades. É um privilégio, pois o mandamento era fruto da bênção e da vontade perfeita Deus para com a humanidade ali representada em Adão e Eva. E o privilégio é inseparável de uma responsabilidade: ocupar a terra e dominá-la. A obediência a esse mandamento da criação é por demais ampla. Naquele momento, significava que Adão e Eva deveriam dar nomes aos animais, conhecer os seres criados, aprender a viver naquele ambiente em que Deusos colocara. Certamente incluía a descoberta da criação. Eles iriam descobrir a infinita riqueza da criação de Deus, e aprenderiam a usar a terra para o seu proveito e para o bem das demais criaturas de Deus. Eles deveriam estudá-la, aprenderiam a cada instante sobre as maravilhas da criação, e essa atividade de ocupar e dominar a terra incluía conhecê-la cada vez mais profundamente, e descobrir o propósito de Deus ao criá-la, de forma que conhecer o poder e a sabedoria do Criador pelas obras de Suas mãos seria um deleite eterno para os homens.

Naquele momento, o homem estava sendo ordenado a estudar, a descobrir, a investigar, a aprender, a ensinar. A educação é parte desse primeiro mandamento divino aos homens, e constitui parte essencial de sua própria função dentro do mundo criado por Deus, ou o homem não teria sido criado com intelecto, memória, criatividade. O conhecimento, que leva à ocupação e ao domínio, não é possível aos animais ou a qualquer outro ser na Terra, mas é uma capacidade dada ao homem como sua atividade própria. O homem é colocado na Terra com o privilégio e a responsabilidade de ser um estudioso e governante do restante da criação e por isso foi criado com capacidade para tal. A própria imagem de Deus no homem incluía esse aspecto funcional, aspecto em que o homem em sua relação com a criação deveria refletir o próprio ser divino, no sentido em que, assim como Deus é o soberano e Senhor de todo o universo, o homem seria soberano e senhor sobre a criação.

Dessas considerações, Jay E. Adams conclui que:

(…) há um lado obrigatório na educação. A educação não é opcional. Quando este imperativo divino é divorciado da educação, Deus não é glorificado; a educação perde a sua motivação própria e o homem recebe poderes discriminatórios que não pertencem a ele. (1982, p. 26)

Mas, no que consiste ou o que implica esse comando da criação? Em primeiro lugar, significa que o homem deveria encher ou ocupar a terra. Esse aspecto parece apontar para o desenvolvimento de instituições humanas sociais e políticas. A manutenção da família, a ocupação do espaço, a criação das cidades, o desenvolvimento de técnicas agrárias, por exemplo, dos negócios, do comércio e da economia estão aí incluídos. O mandamento da ocupação “requer que o homem invente maneiras de relacionar os seres humanos uns aos outros e à terra, de conformidade com os princípios bíblicos” (ADAMS, 1982, p. 27).

E ao homem foi também dada a ordem de sujeitar ou dominar a terra. O Salmo 8:6 dá a idéia de que todas as coisas foram colocadas sob o seu controle: “Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste”. De maneira muito especial, esse mandamento inclui a necessidade de criar e desenvolver a ciência e outras atividades de controle. As implicações desse mandamento levaram J. Conant a exclamar: “Que educação para o avanço e a corrida tem sido esse trabalho de sujeitar a terra! Como ele tem desenvolvido a reflexão, estimulado a invenção, e acelerado os poderes de combinação, que de outra maneira teriam permanecidos dormentes” (1868, p. 7). E mais uma vez J. Adams reconhece que:

(…) todos os esforços científicos para trazer a criação sob o controle humano são especialmente e claramente educacionais em sua essência. O fato é, então, que Deus colocou diante da raça humana um grande empreendimento, do qual uma parte significativa envolvia a educação do homem em tudo que concerne à natureza, ao controle do mundo e à raça humana que deveria ocupá-lo. (1982, p. 27).

7.1.2 A Bíblia e a Formação Cristã dos Jovens

 

A Bíblia, entretanto, não se limita a estabelecer a necessidade e origem divina da educação humana de modo geral, e tece princípios mais específicos sobre a educação formativa dos jovens e, de maneira especial, sobre a necessidade do caráter cristão dessa educação.

O primeiro ponto que poderíamos estabelecer é o de que a educação dos jovens é um mandamento bíblico, e um mandamento diretamente divino. Porque a Bíblia não menciona as escolas nem oferece regras específicas para a sua formação, muitos cristãos pensam que a Bíblia não tem nada a dizer com respeito à educação escolar.

Contudo, a Bíblia diz muito sobre a educação das crianças. Na verdade, ela a ordena, tanto no Antigo como no Novo Testamento. A educação de que a Bíblia fala, entretanto, não é a educação institucional como conhecida hoje, oferecida nas escolas e ministrada por professores especialistas nos diversos assuntos. Sua educação era, primeiramente, aquela dada pelos pais ou pelas famílias, as quais, por sua vez, obtinham sua instrução na Igreja. Esse sempre foi o modelo bíblico: a Igreja é responsável pelas famílias, e sua responsabilidade para com as crianças é indireta; os responsáveis pelos filhos dos crentes eram seus pais. A prova disso é que quando a Bíblia ordena a educação dos jovens, ela atribui esse dever e privilégio aos pais cristãos.

Dentre as primeiras instruções dadas por Deus ao seu povo quando de sua formação, antes de sua entrada na Terra Prometida, encontramos no cap. 6, versos 6 e 7 do livro de Deuteronômio não somente um conselho ou uma motivação para a educação das crianças, mas uma ordenança proferida por Deus para que as crianças fossem educadas nas palavras da aliança: “Estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te e ao levantar-te.” (A BÍBLIA…, Deuteronômio 6:6-7). Esses versos revelam que é da vontade divina que as crianças pertencentes à Igreja sejam devidamente instruídas nos preceitos do Senhor, e ainda indicam o método da repetição como essencial à aprendizagem, além de fornecer o conteúdo dessa educação, que não era meramente o treinamento vocacional, mas os mandamentos do Senhor e seu relacionamento com as tarefas da vida diária de cada um. Na continuação do texto de Deuteronômio, encontra-se ainda uma promessa relacionada à obediência a esse mandamento, de que suas vidas seriam prolongadas à medida em que os Estatutos do Senhor fossem nelas observados e refletidos (PORTELA, [199-], p. 7).

Ainda no Antigo Testamento, nos livro de Salmos, Provérbios e de Eclesiastes, o tema da educação dos jovens é constantemente enfatizado e ordenado por Deus como essencial à própria subsistência do povo de Israel na qualidade e nos privilégios de povo eleito do Senhor. O Salmo 78:3-7, por exemplo, coloca a atitude esperada do povo para com a educação da sua descendência de modo elucidativo:

O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a seus filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do Senhor, e o seu poder, e as maravilhas que fez.

Ele estabeleceu um testemunho em Jacó e instituiu uma lei em Israel, e ordenou a nossos pais que os transmitissem a seus filhos, a fim de que a nova geração os conhecesse, filhos que ainda hão de nascer se levantassem e por sua vez os referissem aos seus descendentes; para que pusessem em Deus a sua confiança e não se esquecessem dos feitos de Deus, mas lhe observassem os mandamentos.

O livro de Provérbios relaciona vários ensinamentos sobre a educação dos filhos e o papel dos pais. O verso 6 do capítulo 22 é o mais célebre: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele”. No Novo Testamento, o mandamento é ainda mais contundente e mais explicitamente dirigido aos pais: “E vós, pais, (…) criai-os [vossos filhos] na disciplina e na admoestação do Senhor” (A BÍBLIA…, Efésios 6:4)

7.1.3        As Responsabilidades pela Educação

 

De acordo com as diversas referências bíblicas citadas e com a posição reformada em geral, os pais são primariamente responsáveis pela educação dos seus filhos, não apenas nas atividades de subsistência e de suprimento das necessidades da vida, mas nos mandamentos e no temor do Senhor.

Sendo este um princípio da Palavra de Deus, ele permanece válido para os cristãos de todas as eras. Quando se observa atualmente a tendência de colocar a educação dos filhos a cargo da escola e de professores contratados, e a insistência dos pais em que cabe à escola ensinar seus filhos não só os conteúdos diversos, mas desde noções de higiene a preceitos morais, isso claramente está indicando que os pais estão abdicando de sua responsabilidade de educar seus filhos nos mandamentos do Senhor e em sua aplicação nas diversas atividades diárias.

Hoje, entretanto, temos um ensino institucionalizado e organizado dentro de um ambiente próprio, a escola. O que a Bíblia tem a dizer sobre a sua legitimidade? Em primeiro lugar, a Bíblia não menciona ou ordena a educação escolar. Esta foi uma invenção ocorrida paralelamente ao desenvolvimento e especialização do conhecimento produzido por uma determinada sociedade, que afirmava faltar aos pais o interesse, o tempo, e a competência e habilidade para educar seus filhos nos conhecimentos avançados que estavam sendo produzidos.

Noel Weeks (1998) observa que a falta de habilidade e a falta de tempo não são desculpas para que pais desobedeçam o mandamento bíblico. Certamente cabe aos pais o máximo de esforço no seu próprio estudo e no preparo para a educação de seus filhos e a responsabilidade educativa dos pais inclui o uso sábio e produtivo do seu tempo, que permita a devida dedicação tanto da mãe como do pai para a vida em família.

Por outro lado, é natural que, quando os crentes se vêem em dificuldades no cumprimento de suas responsabilidades, eles busquem a ajuda de outros irmãos mais experientes e capazes de lhe prestar o auxílio devido, partindo inclusive do princípio da diversidade dos dons que Deus distribui a cada um e da importância de o corpo de Cristo se beneficiar desse compartilhar de dons e serviços, e considerando a importância de carregarmos os fardos uns dos outros. Assim, é legítimo que duas mães, uma que tem facilidade em ensinar matemática e a outra facilidade em e ensinar gramática se associem na tarefa que ambas têm de educar seus filhos, e compartilhem seus pontos fortes. É esse processo que, numa aplicação mais ampla, permite o entendimento da origem e da legitimidade bíblica da existência da escola reformada. Foi precisamente assim e com este fim que as primeiras escolas reformadas foram fundadas[1], e somente sob essas bases a educação escolar é legítima (WEEKS, 1998, p. 5-6).

Dessa base se extrai a natureza e o papel da escola reformada. Ela é uma instituição que existe para auxiliar os pais em sua tarefa de instruir seus filhos no temor do Senhor e na aplicação da verdade divina a todas as áreas e circunstâncias da vida da criança. Fica, então, estabelecido o caráter suplementar da educação escolar, que não deve jamais monopolizar a educação dos jovens, nem no que diz respeito ao tempo, nem quanto ao conteúdo ou responsabilidade do ensino. Acresce-se a isso que, se a responsabilidade é primariamente dos pais, significa que a escola reformada funciona sob a autoridade parental, razão por que deveria ser uma iniciativa privada, mantida pelos pais, com o apoio indireto da igreja, sem maiores interferências do Estado e sua filosofia, normas, conteúdos, etc., devem ser estabelecidos pelos pais de acordo com os princípios bíblicos.

O objetivo geral dessa educação escolar é que os alunos, em consonância com a educação recebida em casa e na Igreja, aprendam as verdades de Deus e por meio delas venham a alcançar a maturidade intelectual, moral e espiritual. No decorrer desse processo, a criança precisará aprender certas habilidades, como ler, escrever, falar, entender, explicar, analisar, etc., e é papel da escola, certamente, complementar a instrução do lar nessas habilidades. Se estas habilidades capacitam esses estudantes a obter a partir delas o sustento de sua família e ajudar os que necessitam, certamente que esse vem a ser um legítimo, porém subsidiário, da educação bíblica.

Noel Weeks distingue a parte que cabe à escola e a parte que cabe à família na educação dos jovens: 

De acordo com a natureza do caso, o lar pode estar mais adequadamente preparado para educar uma criança num aspecto do seu desenvolvimento e a escola em outro. Um pai que está constantemente com a criança nas situações informais do lar está bem mais capacitado a ensinar a criança a paciência e o auto-controle que um professor escolar. Mas obviamente uma escola devidamente equipada poderá ser mais eficiente em aplicar essa paciência na aquisição de habilidades na carpintaria ou na ciência (…).

Uma escola precisa dedicar seu tempo para as coisas que ela pode fazer. É possível que algumas coisas mais importantes possam ser preteridas em razão de que em tais assuntos a escola não é eficaz. Um sistema escolar que se recusa a reconhecer essas limitações constitui um perigo para a família, e não um auxílio para ela. (1998, p. 8)

É nesse sentido que se fala da complementação da educação do lar pela educação escolar. Há tarefas na educação de uma criança que exigem um longo tempo, uma dedicação exclusiva e mesmo uma luta ferrenha em termos de disciplina e correção moral e de caráter, as quais são mais apropriadas para serem eficazmente realizadas no ambiente familiar e a escola não deve perder seu tempo com essas coisas.

Em suma, a educação é não somente algo biblicamente legítimo, como um mandamento de Deus dado a todo homem, de modo geral, sendo que a educação dos filhos no temor do Senhor é uma atribuição dada por Deus aos pais. Quanto à criação das escolas, podemos entendê-las não como uma instituição à parte da família e da comunidade cristã, detentora de todo saber verdadeiro e do poder de formar o caráter e o intelecto dos jovens. Ao contrário, embora a escola, como instituição educacional, não seja mandamento de Deus, como o é a educação familiar, ela pode existir sob a forma de poder compartilhado, e sua autoridade decorre da autoridade dos pais que é estendida aos professores considerados mais capacitados para auxilia-los na educação de seus filhos naquelas áreas em que a escola está devidamente preparada e equipada para atuar.

             

7.2 Os Propósitos da Educação Reformada

 

7.2.1 A Glória de Deus como Propósito Unificador para a Educação Cristã

 

A educação reformada deve estabelecer o alvo correto de sua instrução fundamentada nos princípios bíblicos. O que torna a fé reformada distinta de todas as demais religiões é que ela é centralizada na pessoa de Deus e estabelece que o propósito da vida humana é a glória de Deus. Como uma função importantíssima da atividade humana, a educação não poderia fugir a esse propósito último: a glória de Deus. Os crentes estudam a Palavra de Deus, trabalham, ensinam a seus filhos, os educam no temor do Senhor com o propósito último de glorificarem e honrarem o nome de Deus através de suas vidas, “porque dele, e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente” (A BÍBLIA…, Romanos 11:36). Para isso o Espírito instrui os crentes, “com o fim de sermos para o louvor da sua glória(A BÍBLIA…, Efésios 1:12) e “para iluminação do conhecimento da glória de Deus na face de Cristo (A BÍBLIA…, II Coríntios 4:6).

Em outras palavras, o propósito da educação reformada é teocêntrico. A glória de Deus é entendida na Bíblia em contraposição à glória e o louvor do homem, tão enfatizada na educação secular atual. Os propósitos e alvos da educação contemporânea secular, embora bastante divergentes uns dos outros, são unificados em um ponto básico: no fato de que todos têm o homem como referência. Dentre os propósitos mais defendidos estão o de preparar para a cidadania, preparar o aluno para ser bem-sucedido no mundo competitivo do mercado de trabalho, preparar para a universidade, para o vestibular, desenvolver nos alunos um senso moral e ético vago, dentre outros. Em contraposição a isso, educação reformada também adota o lema Soli Deo Gloria. Em Salmos 115:1, o salmista expõe esse lema: “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória, por amor da tua benignidade e da tua verdade”.   

O teólogo e educador Jay Adams (1982) explica que glorificar a Deus:

(…) é atribuir a Ele o peso total ou a devida importância de todas as qualidades que Ele já possui. É atribuir a Ele tudo que Ele realmente é. E fazer tudo (incluindo matemática) para a glória de Deus significa fazer o que quer que seja de tal maneira que a totalidade do peso do relacionamento de Deus com isto seja reconhecido. Glorificar a Deus significa, portanto, fazer Deus pesado ou importante à vista de alguém ou para os olhos de outros, ou ambos” (p. 23).

Em outras palavras, quando se educa ou se é educado para a glória de Deus isso deve ser feito de maneira que o esplendor de Deus brilhe em tudo que for realizado, e o crédito e a honra de tudo o que for feito sejam devidos a Ele. O Deus da Bíblia é visto como suficiente e presente para suprir todas as necessidades educativas do homem. O que Deus diz é considerado pelos crentes como algo valioso e digno da mais alta consideração. O que ele ordena deve ser obedecido e colocado em prática. E os crentes possuem não só o auxílio do Espírito Santo de Deus para dirigi-los e fortalecê-los em suas ações educacionais, como receberam uma revelação escrita da parte de Deus, onde podem encontrar quais as maneiras concretas com que Ele pode glorificar a Deus em sua vida.

Há, contudo, diversos níveis de propósitos mais imediatos para a educação reformada, que são unificados e adquirem sentido à luz do propósito maior que foi exposto. As seguintes passagens bíblicas indicam alguns desses propósitos da educação:

Ouve, filho meu, e aceita as minhas palavras, para que se multipliquem os anos da tua vida.   (Provérbios 4:10) (Grifo nosso).

Ouve o conselho, e recebe a correção, para que sejas sábio nos teus dias por vir.   (Provérbios 19:20) (Grifo nosso).

Inclina o teu ouvido e ouve as palavras dos sábios, e aplica o teu coração ao meu conhecimento. Porque será coisa suave, se os guardares no teu peito, se estiverem todos eles prontos nos teus lábios. Para que a tua confiança esteja no senhor, a ti tos fiz saber hoje, sim, a ti mesmo.  Porventura não te escrevi excelentes coisas acerca dos conselhos e do conhecimento, para te fazer saber a certeza das palavras de verdade, para que possas responder com palavras de verdade aos que te enviarem? (Provérbios 22:17-21) (Grifo nosso).

Pelo que Deus lhe disse: Porquanto pediste isso, e não pediste para ti muitos dias, nem riquezas, nem a vida de teus inimigos, mas pediste entendimento para discernires o que é justo (I Reis 3:11) (Grifo nosso).

(…) para que os seus corações sejam animados, estando unidos em amor, e enriquecidos da plenitude do entendimento para o pleno conhecimento do mistério de Deus – Cristo, em quem todos os mistérios da sabedoria estão ocultos. (Colossenses 2:2) (Grifo nosso).

Sabemos também que já veio o Filho de Deus, e nos deu entendimento para conhecermos aquele que é verdadeiro; e nós estamos naquele que é verdadeiro, isto é, em seu Filho JesusCristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.    (I João 5:20) (Grifo nosso).

As palavras-chave contidas nesses textos bíblicos são vida, sabedoria, verdade, justiça, conhecimento de Deus, de Cristo e da verdade, e elas de fato representam a cosmovisão reformada. Ao contrapor o propósito da educação reformada aos propósitos insuficientes da educação secular, John W. Robbins (1987. Não paginado) insiste:

O propósito da educação não é capacitar o aluno a ganhar um bom salário.

O propósito da educação não é preservar o sistema de governo vigente e a liberdade política.

O propósito da educação não é a unificação mundial.

O propósito da educação não é ensinar aos jovens um ofício.

O propósito da educação não é encorajar uma infinita busca pela verdade.

O propósito da educação não é colocar o aluno em harmonia com o cosmos.

O propósito da educação não é estimular a conscientização dos alunos e prepará-los para uma revolução mundial.

O propósito da educação não é preparar os estudantes para carreiras produtivas.

O propósito da educação não é a integração das raças.

O propósito da educação não é o ajustamento social da criança/sua socialização.

O propósito da educação não é a competitividade tecnológica.

O propósito da educação não é produzir bons cidadãos.

 E este autor prossegue assinalando o que entende como sendo o propósito unificador da educação cristã:

Não, o propósito da educação é bem diferente, bem mais nobre que qualquer destas coisas. O propósito da educação é produzir homens cristãos, homens transformados pela renovação das suas mentes segundo a imagem dAquele que os criou”. (ROBBINS, 1987. Não paginado)

FOWLER, em seu livro sobre filosofia da educação cristã, na busca de evitar qualquer definição de propósito que tenha como fundamento e medida o homem, elabora a seguinte proposição: “O alvo da educação é o desenvolvimento da criança para o seu chamado religioso na vida como descobridor responsável da criação” (1982, p. 53).

John Milton, no seu tratado “Da Educação”, foi autor de uma definição clássica do propósito da educação cristã:

“O fim então da aprendizagem é reparar as ruínas de nossos primeiros pais, recuperando o conhecer a Deus corretamente, e a partir deste conhecimento amá-lO, Imita-lO, ser como Ele.” (MILTON apud RYKEN, 1992, p. 173)

Estes autores estabelecem como propósitos da educação a restauração da imagem de Deus no homem pela santificação, a renovação da mente de acordo com o pensar de Cristo, a imitação de Cristo e o desenvolvimento da criança para o seu chamado religioso.

Robbins estabelece ainda que um propósito central da educação é a obtenção da sabedoria. Ele afirma que Salomão já havia descoberto e explicado este propósito há muito tempo:

Conhecer a sabedoria e a instrução;

Adquirir as palavras de entendimento;

Receber a instrução da sabedoria, justiça, juízo, e eqüidade;

Entender um provérbio e um enigma, as palavras dos sábios. (1987. Não paginado)

Jay Adams descreve o que entende por sabedoria como algo que junta três fatores: conhecimento, vida e ministério, e define sabedoria como “o conhecimento, entendido da perspectiva divina, tornado útil para o viver cada dia para Deus, e (como parte disso), compartilhado com outros e usados para ministrar para eles”. (1982, p. 88). O objetivo da educação inclui, mas não se exaure na obtenção de conhecimentos, de verdades. A educação cristã preocupa-se com o que o aluno fará com esse conhecimento recebido. Ou seja, esse conhecimento só terá sido verdadeiramente aprendido se ele se traduzir em vidas transformadas. E tudo o que for aprendido por meio da educação e se refletir na vida de cada um deve ser também usado para o serviço e bênção do nosso próximo, o que J. Adams entende como ministério.

Já nas palavras de Solano Portela, o propósito consiste na própria obtenção da cosmovisão cristã: 

(…) o objetivo da Educação Cristã deve ser o de proporcionar à pessoa que está sendo educada, não apenas a obtenção de conhecimentos variados uns dos outros e da sua própria constituição física e moral, mas sim o de conceder uma visão integrada e coerente de vida, relacionada com o Criador e com os Seus propósitos. ([199-], p. 1)

Um conceito unificado de todos esses propósitos citados poderia ser construído assim: a educação tem como alvo a glória de Deus e a promoção do Reino de Deus no mundo através da transmissão de verdades que visa a formação de homens tementes a Deus, sábios, comprometidos com a maneira de pensar de Cristo e conscientes de que sua vocação constitui um chamado religioso. A educação, portanto, contribui para a glória de Deus da seguinte forma:

Capacitando o homem a servir a Deus melhor, através do desenvolvimento dos dons que recebeu para serviço a Deus e ao próximo.

Capacitando o homem a cumprir adequadamente o mandato de Deus para a criação: “podemos dizer que um dos principais propósitos da educação de um ser humano deve ser ensiná-lo sobre como governar a criação de maneiras que honrem e agradem a Deus.” (ADAMS, 1982, p. 27)

Capacitando o homem a conhecer melhor a Deus e as suas obras através da Sua revelação na natureza em conjunto com a revelação escrita e em Cristo. Quandoa educação cumpre esse propósito, e o ensino das diversas disciplinas como a matemática, as línguas, as ciências, a história, refletem os atributos e a Glória do Deus criador e redentor, e leva os alunos a louvarem a Deus pelo Seu poder e sabedoria, então essa educação está contribuindo para a glória de Deus.

Sendo instrumento de Deus para a santificação do homem, com o que o homem vai tendo a imagem de Deus restaurada em si, sendo progressivamente capacitado a honrar a Deus. (compreende a santificação da mente, corpo, coração, moral, atos ou espírito).

Permitindo ao homem amadurecer espiritualmente, o que é evidenciado pelo nível de imitação de Cristo. À medida que a imitação de Cristo é buscada na tarefa educacional, esta estará glorificando a Deus. Cristo deve ser imitado pelos crentes em sua personalidade, exemplos e atos.

Levando seus agentes a conhecerem mais, a aprenderem a praticar e a aplicar na vida diária o conhecimento em forma de sabedoria, e os frutos do Espírito, como revelados em Gálatas: o amor, a alegria, a paz, a paciência, a bondade, a benignidade, a fidelidade, a mansidão e o domínio próprio. A educação cristã precisa servir a esse propósito duplo e deve estar dominada em todos os seus intentos e atividades pela busca da sabedoria e desses frutos do Espírito.

Ensinando os jovens a pensarem e agirem biblicamente em tudo o que fizerem, principalmente na sua especialidade (ADAMS, 1982). Como a Bíblia é a regra última para a conduta do crente em todas as áreas da sua vida, poderíamos dizer também que o propósito da Educação cristã é ensinar os alunos a aplicar o ensino bíblico à sua vida prática, de maneira especial na sua vocação profissional e nas atividades em que está mais envolvido. Se o aluno quer ser professor de matemática, ele deve aprender a pensar biblicamente sobre como ele pode vir a glorificar a Deus em sua profissão. Quem preferir se dedicar à pesquisa científica irá se empenhar em aplicar os ensinamentos bíblicos à atividade científica, da mesma maneira que uma dona de casa é chamada a conhecer, estudar e aplicar os princípios bíblicos em suas tarefas diárias. É na escola cristã que o futuro historiador cristão conhecerá as bases e os fundamentos de como a história humana pode ser estudada para a glória de Deus. Para que tudo isso seja feito, é necessário que os jovens sejam desde cedo instruídos nessa prática de aplicar a teologia à vida prática.

 

7.2.3 Objetivos Gerais e Específicos da Educação Cristã

 

James Beeke [2003?], em consonância com esse propósito central de glorificar a Deus e de promover o Seu reino, estabelece o que ele chama dos objetivos gerais da educação reformada, para posteriormente dedicar-se aos seus objetivos específicos.

O primeiro objetivo da verdadeira educação cristã é que o nome de Deus seja honrado e glorificado no campo da educação. O segundo objetivo geral é que os alunos possam ser abençoados com um conhecimento salvífico do Senhor e que as suas vidas possam ser uma dedicação de serviço a Ele em todas as coisas, amando a Deus acima de todas as coisas e a seu próximo como a si mesmos (BEEKE, [2003?], p. 43)

Ainda segundo o autor, os objetivos gerais da educação reformada compreendem:

Ensinar a verdade de Deus e lutar para observar as inter-relações entre as verdades da Palavra de Deus. A Educação deve prover respostas absolutas ao invés de meras especulações ou conhecimento de opiniões diversas (BEEKE, [2003?], p. 42). O Salmo 33:4 ensina que “a Palavra do Senhor é reta, e todo seu proceder é fiel [verdadeiro]” e o próprio Cristo afirma em João 14:6: “Eu Sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao Pai, senão por mim”.

Ensinar a sabedoria, entendida como um uso sábio e apropriado do conhecimento, que se baseia na humilde dependência do Espírito Santo e na submissão à vontade de Deus, porque “o temor do Senhor é o princípio da sabedoria” (A BÍBLIA…, Provérbios 1:7)

Prover para as necessidades espirituais dos alunos. Embora a educação reformada reconheça que só Deus pode salvar as almas dos alunos, a Bíblia revela que Ele o faz através de meios, e esses meios são determinados na Bíblia e devem ser devidamente utilizados na educação cristã, como o ensino da Lei de Deus e a aplicação da disciplina. A educação cristã deve almejar o crescimento espiritual dos alunos.

Preparar o aluno para a vida diária na terra. Isso significa que o aluno deve saber aplicar as verdades de Deus em todas as atividades que realizar em seu dia a dia. Beeke comenta que “assim como toda a vida está debaixo das ordenanças e da direção divina, todos os estudos devem ser ensinados num contexto bíblico” (BEEKE, [2003?], p. 6). O mandamento bíblico em I Coríntios10:31 deixa claro que toda a vida do crente, desde as atividades mais simples de sua subsistência, passando pelo seu trabalho e relacionamentos devem ser dirigidos pela Palavra de Deus e para a Sua glória: “Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus”. Esse objetivo compreende o desenvolvimento acadêmico e vocacional dos alunos.

Treinar os alunos na moral cristã. Os princípios morais bíblicos devem ser aplicados em tudo. O aspecto moral se revela no interesse pelo desenvolvimento pessoal e social dos alunos, e pela formação de um caráter e atitudes cristãs.

Beeke subdivide esses três últimos objetivos em uma série de proposições que deixam bem claro os objetivos mais específicos da educação cristã como desenvolvimento espiritual, acadêmico (e vocacional) e moral dos alunos.

Para a educação espiritual dos alunos, ele fornece os objetivos educacionais que visam atender as suas necessidades espirituais:

1. Ensinar a Bíblia como a Palavra infalível de Deus, assim como uma regra absoluta para a vida, e desenvolver uma atitude de respeito para com ela.

2. Ensinar as doutrinas básicas cristãs.

3. Enfatizar a necessidade que cada aluno tem de uma experiência de conversão espiritual, que só pode acontecer mediante o reconhecimento, pela obra do Espírito Santo, da condição de miséria em que se encontram, da libertação que têm em Cristo e da gratidão a Ele.

4. Enfatizar os atributos santos de Deus e a Sua soberania absoluta em conjunto com a responsabilidade e o dever que cada ouvinte do Evangelho tem para com Deus de lhe prestar contas. ([2003?], p. 43)

O desenvolvimento acadêmico dos alunos inclui os objetivos de:

1. Promover altos padrões acadêmicos para cada indivíduo na estimulação dos talentos que Deus o concedeu.

2. Encorajar bons hábitos de estudo como parte de nossas responsabilidades dadas por Deus.

3. Desenvolver pensamento biblicamente criativo e criticamente construtivo para o futuro chamado vocacional e outras responsabilidades da vida dadas por Deus.

4. Ensinar as habilidades básicas necessárias na relação com os outros nessa vida: a leitura, a escrita e a matemática, assim como o falar e o ouvir.

5. Prover uma base sólida da herança histórica, da geografia, e das condições mundiais como desenvolvimento e revelação da providência e da vontade de Deus.

6. Multiplicar a consciência e a apreciação da criação de Deus com suas leis e características, e as nossas responsabilidades de usa-la sabiamente.

7. Nutrir talentos criativos, mecânicos, musicais, e outros para serem usados de maneira temente a Deus para o benefício dos outros. (BEEKE, [2003?],p. 43-44)

E finalmente, os objetivos específicos que levam ao desenvolvimento pessoal ou moral dos alunos compreendem:

1. Ajudar os alunos a aprender o que significa ser um ser humano criado por Deus, tanto espiritualmente, como emocionalmente, mentalmente e fisicamente.

2. Promover o entendimento da responsabilidade que o aluno tem de desenvolver e usar corretamente os talentos e habilidades que Deus lhes deu em todo seu potencial.

3. Ensinar o valor do tempo como um artigo dado por Deus

4. Valorizar as atitudes bíblicas para com as possessões materiais a responsabilidade de cada um para com elas como administrador.

5. Advogar um espírito de amor e respeito para com os outros e reconhecer a nossa necessidade social do próximo.

6. Desenvolver atitudes bíblicas com relação a amizade, casamento, família, trabalho, sociedade, e relações humanas.

7. Enfatizar atitudes adequadas perante autoridades divinas e humanas, e promover a auto-disciplina e a obediência.

8. Estimular hábitos corretos de saúde e higiene, de cuidado com o corpo, e o uso sábio do corpo que Deus nos deu.

9. Cultivar a responsabilidade pessoal na família, na igreja, na escola e na sociedade. (Idem, p. 44).


[1] Cf. a justificativa dada por Lutero para a criação de Escolas e para essa passagem da educação do lar para a educação escolar.

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